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O muro fiscal chegou

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O muro fiscal chegou

Matheus Rosa Ribeiro (matheus.ribeiro@brcg.com.br)

Livio Ribeiro (livio.ribeiro@brcg.com.br)

18/06/2025

Bottom line: O muro fiscal (nível de despesas discricionárias que leva ao shutdown do Estado) está mais perto do que se projetava. O espaço livre para gastos no Orçamento de 2026 é comprimido ou nulo. Em 2027, a falta de espaço orçamentário já beira R$ 100,0bi. Para continuar cumprindo o Novo Arcabouço Fiscal, serão necessários ajustes hercúleos, com parte deles passando por uma revisão dos gastos obrigatórios.

Introdução

No Brasil, lida-se com um problema de pressão orçamentária crescente, graças a despesas obrigatórias que crescem em velocidade superior ao limite para o crescimento dos gastos no Novo Arcabouço Fiscal. A paralisação da máquina pública (shutdown), no contexto brasileiro, será quando o engessamento orçamentário levar a um espaço tão reduzido para as despesas de custeio (e investimento, a depender da métrica utilizada) que a oferta de serviços públicos essenciais ficará comprometida. Nessa situação, faltará Orçamento para gastos básicos do dia a dia, como gasolina para veículos, conta de luz, emissão de passaportes e afins. Essa discussão já existia no período de vigência do Teto de Gastos da Emenda Constitucional 95/2016, mas foi repaginada com as mudanças institucionais ocorridas após a eleição de 2022, ao se introduzir o Novo Arcabouço Fiscal.

O problema ganhou destaque no 2º trimestre de 2025, depois do Relatório de Avaliação de Receitas e Despesas e do imbróglio envolvendo a majoração do IOF. Na revisão bimestral do Orçamento, ocorrida em maio, o governo promoveu contenção de despesas, entre bloqueio e contingenciamentos, de R$ 31,3bi para cumprir o limite de despesas e atingir o piso da meta de resultado primário em vigor. Além disso, promoveu alterações no IOF (Decreto 12.466/25), levando a um aumento da projeção de receitas com o imposto em R$ 20,5bi. A elevação do imposto não foi bem recebida, mas o ministro da Fazenda disse que revogar o novo tributo, sem receitas alternativas[1], poderia levar à paralisação da máquina pública[2].

O objetivo deste trabalho é analisar os Orçamentos de 2026 e 2027 com base em indicadores de esgotamento operacional da máquina pública, ou seja, em termos de um eventual shutdown. Para tanto, vamos construir indicadores referenciais mínimos de espaço orçamentário, com base nos comentários do ministro da Fazenda de que estamos muito próximos da paralisação da máquina pública. Com base nesses indicadores, vamos analisar as projeções que constam na PLDO 2026 para os Orçamentos de 2026 e 2027, entendendo se, de fato, o Estado brasileiro “bateu no muro”.

Os resultados encontrados sugerem que o Orçamento de 2026 já oferece uma margem mínima para a operação da máquina pública. Considerando as projeções de despesa do governo para o ano que vem, já se está muito próximo de referenciais mínimos de espaço livre orçamentário, o que pode levar à falta de recursos em um ano eleitoral. Isso traz duas implicações para o Orçamento de 2026: (i) o espaço para contingenciamentos nas despesas de forma a atingir o piso da meta de resultado primário é muito limitado ou até inexistente, o que exigirá ajuste fiscal via receitas ou despesas obrigatórias[3]; (ii) como também é necessário cumprir a regra de limite de despesas e há recorrentes surpresas no ritmo de crescimento de benefícios assistenciais e previdenciários, é provável que parte do ajuste fiscal tenha que vir da redução de despesas obrigatórias, viabilizando o mínimo funcionamento da máquina pública sem descumprir o atual regramento fiscal.

A situação é muito mais delicada em 2027, com a necessidade de medidas hercúleas para viabilizar o Orçamento sem descumprir o Novo Arcabouço Fiscal. Além da compressão das despesas discricionárias pelo crescimento regular das despesas obrigatórias, o espaço orçamentário de 2027 ainda é afetado pela volta de precatórios atípicos ao cálculo do limite de despesas. A depender do referencial utilizado, a insuficiência de recursos para manter o funcionamento do Estado está entre R$ 90,0bi e R$ 97,0bi. Parte do ajuste necessariamente envolveria a redução das despesas obrigatórias, para o cumprimento do limite do crescimento das despesas (2,5% real) no Novo Arcabouço Fiscal, e parte viria ou de um aumento das receitas ou de redução adicional das despesas, buscando o piso da meta de resultado primário de 2027 (R$ 0bi). A atual institucionalidade fiscal brasileira está sob severo risco no início do próximo termo presidencial.

Além desta introdução, este relatório apresenta outras quatro seções. Na segunda seção, há uma breve revisão de trabalhos recentes que avaliam a compressão do espaço orçamentário sob o Novo Arcabouço Fiscal. Na terceira seção, apresentamos os dados e a metodologia utilizados na construção do nosso indicador de espaço orçamentário. Os resultados são apresentados na quarta seção deste relatório, focando na comparação com os montantes de dispêndios indicados no Orçamento. Por fim, a última seção conclui este relatório.

A compressão orçamentária no Novo Arcabouço Fiscal: O que dizem estudos recentes?

Em trabalho de 2024[4], a BRCG apontou que a guinada institucional que aliviou a posição fiscal no início do governo Lula III trouxe mecanismos diversos de pressão orçamentária a médio prazo. Antes da eleição de 2022, sabia-se que alterações no Teto de Gastos seriam necessárias para reduzir a pressão orçamentária sobre as despesas discricionárias – notadamente custeio e investimento – e para viabilizar mais despesas com benefícios assistenciais. Logo após a eleição, o pacote Emenda Constitucional da Transição + Novo Arcabouço Fiscal trouxe um aumento de despesas de 1,6p.p. do PIB em 2023 e instituiu um crescimento real das despesas, sujeitas ao limite de gastos, entre 0,6%a.a. e 2,5%a.a, aliviando as restrições em anos subsequentes. Entretanto, a volta da valorização real do salário-mínimo, o retorno das vinculações de mínimos constitucionais de Saúde e Educação à dinâmica da receita e o aumento do Orçamento de emendas impositivas implicaram em pressão intertemporal nas despesas obrigatórias, superior ao ritmo de crescimento autorizado para as despesas totais, comprimindo as despesas não obrigatórias no Orçamento.

A compreensão sobre este tema evoluiu nos últimos trimestres, com contribuição de vários atores. De forma simplista, a discussão sobre os limites operacionais do Orçamento cabe em duas perguntas: (i) Qual o espaço orçamentário existente para as despesas não obrigatórias livres?; e (ii) Qual o patamar mínimo de dispêndios para que a máquina pública não seja comprometida? Abaixo são dispostas, de forma não exaustiva, as conclusões de trabalhos recentes que trataram de pelo menos uma dessas perguntas:

  • STN – Relatório de Projeções Fiscais (mar/2024)[5] expôs que haveria crescente compressão das despesas não obrigatórias no Orçamento e tratou do conceito de despesas discricionárias “livres”, ou não rígidas, refinando o conceito de espaço orçamentário. Segundo o estudo, o Orçamento efetivamente livre acabaria por completo entre 2030 e 2033 (a depender do cenário), de forma que a carência de recursos para a provisão de bens públicos ocorreria alguns anos antes.
  • BRCG (jul/24)[6] atualizou as estimativas da STN utilizando divulgações orçamentárias posteriores e apontou como as mudanças institucionais que o governo realizou após a eleição contribuíram para agravar o problema de engessamento do Orçamento. Segundo o trabalho, o espaço para despesas discricionárias livres em 2027 seria equivalente a 50% do registrado em 2023 — ano de referência para uma maior folga orçamentária, logo após a Emenda Constitucional da Transição (EC 126/2022).
  • Relatórios de Acompanhamento Fiscal da IFI (jul/24)[7] apresentou um benchmark para o patamar mínimo de despesas discricionárias livres, com base na execução orçamentária prévia (0,7% do PIB). Além disso, a IFI passou a divulgar, periodicamente, estimativas próprias de Insuficiência do Limite de Despesas[8].
  • BRCG (jan/25)[9] cruzou as projeções de Discricionárias Livres da STN (dez/24), a projeção de impacto de pacote de medidas de redução de despesas no fim de 2024 e o benckmark mínimo para funcionamento da máquina pública proposto pela IFI. Concluiu-se que, sem o pacote de redução de despesas, o espaço discricionário em 2026 já levaria à paralisação da máquina pública. Com o pacote de revisão de despesas, tornou-se possível adiar o problema para o próximo mandato presidencial, embora com pouca margem de redução despesas via contingenciamentos.
  • Consultoria de Orçamento da Câmara (CONOF) – Estudo 4/2025 (fev/25)[10] evoluiu na análise de espaço orçamentário, apresentando as despesas discricionárias livres para custeio. Além disso, o estudo tratou expressamente sobre a possibilidade de interseções de regras aumentarem o espaço orçamentário, algo que não era tão detalhado em estimativas anteriores. Considerando esses temas, o estudo apontou que patamares insuficientes para a adequada provisão de bens públicos seriam atingidos no Orçamento de 2027.

Os conceitos de despesas discricionárias livres e discricionárias livres para custeio são muito importantes. As despesas discricionárias livres são a fatia de despesas discricionárias que não são aplicadas em emendas impositivas ou no cumprimento de mínimo de Saúde e Educação. Despesas discricionárias livres para custeio (Poder Executivo) são a fatia dessas despesas discricionárias livres que não é necessária para cumprimento do gasto mínimo com investimentos, podendo ser livremente aplicada, seja em custeio, seja em investimento. É, portanto, uma fatia da despesa com liberdade alocativa ainda maior.

Dados e metodologia para a construção dos nossos indicadores

As principais fontes de informação deste trabalho são os documentos do processo orçamentário. Em 2025, os dados utilizados vieram do 2º Relatório de Avaliação de Receitas e Despesas (RARDP), de consultas ao SIOP (Sistema Integrado de Orçamento e Planejamento) e do Decreto de Reprogramação Orçamentária 12.477/25. Para 2026 e 2027, a principal fonte de informações foi o PLDO (Projeto de Lei de Diretrizes Orçamentárias) de 2026.

A partir da declaração do ministro Haddad, de que voltar atrás com o aumento de carga de R$ 20,5bi levaria à paralisação da máquina pública, foram construídos referenciais de espaço mínimo orçamentário. Segundo apuração do jornal Folha de São Paulo[11], a revogação de R$ 20,5bi em receitas previstas levaria à necessidade de uma redução de R$ 15,0bi nas despesas discricionárias livres em 2025, de forma a garantir o cumprimento das metas e dos marcadores presentes na institucionalidade fiscal. Para medir o esgotamento operacional, foram construídos dois indicadores. O primeiro é denominado BRCG-livres, medindo o mínimo necessário de despesas discricionárias livres no Orçamento, levando em consideração a eventual remoção da receita de R$ 20,5bi prevista na reprogramação orçamentária. Nos mesmos moldes, o segundo indicador é denominado BRCG-custeio, medindo o mínimo necessário de despesas discricionárias livres para custeio do Executivo no Orçamento (ou seja, após aplicação do mínimo de investimentos).

A construção dos indicadores foi feita com base em CONOF (2025)[12], com adaptações e com a incorporação de novas informações e dados orçamentários [13]. Para construir o indicador BRCG-livres, partiu-se das despesas discricionárias que constam no Orçamento, descontando a reserva para emendas impositivas e os pisos de Saúde e Educação. Também foram removidas as interseções de regras orçamentárias, como, por exemplo, emendas impositivas nas áreas de Saúde e Educação, de forma que não houvesse dupla contagem[14]. Ajustes adicionais ocorridos com a contenção de despesas da última reavaliação orçamentária foram contemplados. Por fim, um “espaço prudencial” foi incorporado, com base no levantamento do jornal Folha de São Paulo junto a fontes do governo, relativo à “natimorta” majoração do IOF[15].

A construção do indicador BRCG-custeio seguiu o mesmo princípio. Em relação ao BRCG-livres, as principais diferenças estão no foco em despesas do Executivo e no desconto dos recursos necessários para o cumprimento do piso de investimentos definido no Novo Arcabouço Fiscal (0,6% do PIB). O mesmo procedimento para evitar interseções das regras orçamentárias (por exemplo, investimentos em Educação) foi implementado, evitando a dupla contagem. A memória de cálculo para a construção dos indicadores BRCG se encontra no Anexo do relatório.

Tais indicadores foram cruzados com as projeções orçamentárias presentes na PLDO 2026. Os dois indicadores da BRCG foram corrigidos pela inflação projetada pelo governo para 2026 e 2027, de forma a permitir comparações com os valores extraídos da PLDO 2026[16]. Mais ainda, nossos indicadores foram comparados com métricas desenvolvidas pela IFI, com foco no patamar mínimo necessário para as despesas discricionárias livres (doravante IFI-livres)[17], aplicando correções para os anos subsequentes.

É necessário cuidado ao interpretar as informações, com o foco deste trabalho estando nas projeções orçamentárias de despesas discricionárias, de forma a cumprir a meta de primário e o limite de despesas definidos no Novo Arcabouço Fiscal. Outros trabalhos sobre o tema tiveram como enfoque o espaço discricionário existente seguindo somente o limite de despesas do Novo Arcabouço Fiscal. Assim, sob o debate feito neste relatório, a falta dos recursos orçamentários necessários à manutenção das despesas pode, ao menos em parte, ser sanada por um aumento da arrecadação.

Resultados e avaliação do espaço orçamentário

Uma análise plurianual do patamar mínimo de despesas discricionárias livres pode ser observada na tabela 1. De acordo com nossos cálculos, um espaço orçamentário de R$ 87,2 bi em 2025 (indicador BRCG-livres) já seria muito reduzido para a execução das despesas discricionárias, descontando as emendas impositivas e o cumprimento dos mínimos constitucionais de Saúde e Educação. Dito de outra forma, provavelmente haveria prejuízo ao funcionamento do Estado e à adequada provisão de bens públicos. Note-se que nossa estimativa é muito próxima ao sugerido pela IFI, com patamar mínimo de R$ 89,1bi (0,7% do PIB) no mesmo ano de referência.

Tabela 1: Espaço orçamentário e benchmarks para discricionárias livres

Fonte: BRCG, com base em PLDO 2026, RARDP mai/25, Decreto de Reprogramação (12.477/2025) , RAF 90 (IFI) e Folha de São Paulo.

Sugere-se que o espaço orçamentário para as despesas discricionárias livres será mínimo em 2026. As despesas discricionárias livres que constam no PLDO 2026 são de R$ 97,1bi em 2026, levemente acima do patamar mínimo sugerido tanto pelo indicador BRCG-livres (R$ 91,5bi) como pelo indicador IFI-livres (R$ 95,9bi). Ainda que caiba cautela na análise desses números, o fato é que, com a informação atual, o Orçamento de 2026 se encontra no limiar de um esgotamento operacional: há chance real de um shutdown da máquina pública em 2026.

A situação é ainda mais séria em 2027, com um Orçamento que parece inexequível. A insuficiência estimada pelos indicadores varia entre R$ 89,5bi (0,61% do PIB) e R$ 97,6bi (0,66% do PIB) para o início do próximo termo presidencial. Como referência, os gastos com Abono e Seguro-desemprego, importantes benefícios assistenciais, foram, em média, de 0,66% do PIB no triênio 2022-2024. Não é uma insuficiência de recursos de simples solução.

Uma análise plurianual do patamar mínimo de despesas discricionárias livres para custeio no Executivo pode ser observada na tabela 2. De acordo com nossos cálculos, um espaço orçamentário de R$ 31,4 bi em 2025 (indicador BRCG-custeio) é muito reduzido para que o Governo execute as suas despesas discricionárias não sujeitas aos pisos constitucionais de Saúde, Educação e Investimento ou às emendas impositivas.

Tabela 2: Espaço orçamentário e benchmarks para discricionárias livres para custeio no Executivo

Fonte: BRCG, com base em PLDO 2026, RARDP 2025.2, Decreto de Reprogramação (12.477/2025), RAF 90 (IFI) e Folha de São Paulo.

A margem é mínima em 2026. E isso em cenário “favorável”. Segundo nossas estimativas, seriam necessários R$ 32,9bi para manter o custeio da máquina no ano que vem, frente a um montante orçado de R$ 41,7bi. Sabemos, no entanto, que algumas hipóteses da PLDO 2026 podem ser fortes, em termos práticos levando a uma margem inferior ao que consideramos ser prudencial. Os mesmos comentários sobre o risco de shutdown são válidos aos analisar os gastos com custeio no Executivo.

Em 2027, o diagnóstico de que o Orçamento é inexequível se repete. No número oficial, é necessário um espaço orçamentário R$ 54,7bi superior, apenas para que o espaço para despesas com custeio no Executivo não fique zerado. Para chegar a um patamar mínimo de execução que impeça a paralisação da máquina, a insuficiência de recursos é de R$ 88,8bi (0,60% do PIB), o que baliza o tamanho do ajuste necessário para a provisão mínima de bens públicos no início do próximo termo presidencial.

O muro fiscal está mais perto do que se imagina. O gráfico 1 reúne as informações relativas aos dois indicadores propostos pela BRCG e ajuda a sintetizar o diagnóstico a respeito da margem orçamentária em relação aos patamares mínimos de gasto necessários para a provisão de bens públicos essenciais. Até aqui, teve-se enfoque no resultado pontual das estimativas, mas agora são adicionadas as faixas de incerteza associadas aos benchmarks propostos. Para 2026, o espaço discricionário está muito comprimido, em patamares similares aos de 2025 após a contenção de despesas implementada na Reprogramação Bimestral do Orçamento. Levando em consideração os intervalos das estimativas, se pode observar uma carência de recursos de R$ 2,2bi, ao analisarmos o espaço nas despesas discricionárias livres, já em 2026. Para 2027, resulta claro que falta dinheiro necessário à adequada provisão dos bens públicos, sob qualquer métrica utilizada e sob qualquer avaliação da faixa de incerteza para as nossas projeções. Isto reforça a mensagem central deste relatório: o risco de shutdown é real e bem mais próximo do que o recomendado.

Gráfico 1: Margem orçamentária para o patamar mínimo de despesas (R$bi)

Fonte: BRCG

Conclusão

Este trabalho se propôs a comparar o espaço orçamentário que consta no PLDO 2026 com referenciais mínimos para o funcionamento da máquina pública, calculados pela BRCG. Foram criados dois indicadores, o BRCG-livres e o BRCG-custeio, levando em consideração as declarações do ministro da Fazenda, Fernando Haddad, de que haveria risco de paralisação da máquina pública em 2025 (shutdown) caso o incremento de receitas de R$ 20,5bi, previsto com a majoração do IOF (Decreto 12.466/25) não fosse atingido. Para fins de robustez, o espaço orçamentário foi comparado não somente aos indicadores calculados pela BRCG, mas também ao benchmark para as despesas construído pela IFI em função do histórico recente da execução orçamentária (IFI-livres, apresentado no RAF 90).

O espaço orçamentário que consta no PLDO 2026 já coloca a máquina pública em risco de paralisação ao final do governo Lula III. A depender do indicador utilizado, a margem em relação ao mínimo necessário para funcionamento da máquina pública varia entre R$ 5,6bi e R$ 8,7bi – considerando a faixa de incerteza das projeções pontuais, se pode ter até mesmo uma insuficiência de recursos, de R$ 2,2bi, já em 2026. Dessa forma, fica claro que já há uma ameaça à oferta de serviços públicos essenciais com o patamar de despesas discricionárias que consta no Orçamento (preliminar) de 2026.

Há questões que podem atenuar o problema diagnosticado. Deve-se lembrar que os indicadores propostos foram construídos levando em conta uma contenção abrupta de despesas, em meio à execução orçamentária. Com maior tempo para planejamento e execução, é possível que o governo consiga otimizar o gasto, reduzindo os desembolsos mínimos necessários. Além disso, há possibilidade de abrir mais espaço orçamentário pela gestão das interseções entre as regras fiscais, abrindo espaço efetivamente livre no Orçamento.

No entanto, há muito mais questões que podem piorar o problema. A projeção de despesas com BPC e benefícios previdenciários tem sido recorrentemente subestimada nas peças orçamentárias, por R$ 39,1 bi em 2023 e por R$37,4 bi em 2024. Na reavaliação do 2º bimestre de 2025, houve ajuste de R$ 19,4bi frente ao orçado para 2025 – o que é relevante, mas parece ser insuficiente. Os desvios mencionados podem consumir de forma relevante o espaço livre no Orçamento, ainda mais se lembrarmos que a fila de requerimentos do INSS cresceu anormalmente em 2025[18]. A subestimação de outras despesas obrigatórias no Orçamento e a recorrente superestimação de receitas também geram pressões adicionais sobre o espaço efetivamente livre para dispêndio.

A situação é pior do que pensávamos no início do ano. Em publicação de janeiro de 2025, a BRCG compôs a economia de despesas projetada com o pacote fiscal de dezembro de 2024 e a projeção de despesas discricionárias livres do Relatório de Projeções Fiscais da Secretaria do Tesouro Nacional (dez/24), comparando o resultado com o benchmark construído pela IFI[19]. À época, concluiu-se que o pacote fiscal deveria ser suficiente para que as despesas do governo continuassem acima do limite mínimo de discricionárias livres, tanto em 2025 (R$ 60,4 bi) quanto em 2026 (R$ 16,7 bi) – desde que não fosse necessário contingenciamento de despesas para cumprir o piso da meta de primário. No entanto, houve aumento significativo das projeções de despesas obrigatórias nos primeiros meses de 2025, constatado tanto nas projeções da CONOF (fev/25), com base na PLOA 2025, quanto na Reprogramação Bimestral do Orçamento (mai/25).

O espaço livre no Orçamento tem sido consumido em velocidade estonteante. Hoje, a folga nas despesas discricionárias livres, que informações da virada do ano sugeriam ser da ordem de R$ 60,4bi em 2025, na verdade parece estar mais próxima de R$ 35,0bi[20]. Com base nesse desempenho recente, é razoável admitir que o balanço de riscos para a evolução prospectiva dos gastos é bastante negativo.

Sem medidas para aumento de receitas ou redução de despesas obrigatórias, o Orçamento de 2026 já pode se tornar inexequível. Parte-se de um cenário de necessidade de esforço fiscal para obtenção do piso da meta de primário, mas qualquer contingenciamento de despesas minimamente relevante levará o espaço para dispêndios discricionários livres a níveis operacionalmente inviáveis. Assim, coloca-se urgente uma agenda de elevação adicional da arrecadação ou diminuição das despesas obrigatórias. Ambas notoriamente difíceis em um ano eleitoral. Ressalta-se que mesmo com sucesso na agenda de majoração das receitas, pode ser necessário promover algum ajuste, mesmo que pontual, nas despesas obrigatórias, preservando o limite de crescimento das despesas do Novo Arcabouço Fiscal e um Estado que não entre em shutdown.

O Orçamento é inexequível em 2027. Quanto mais se demorar para tratar essa questão, mais difícil será manter o Novo Arcabouço Fiscal. Estimamos uma insuficiência significativa (entre R$ 88,8bi e R$ 97,6bi) em relação ao montante mínimo de despesas necessário para manter o Estado funcional. Ainda que se considere a margem de incerteza na construção dos indicadores, nossos cálculos apontam uma insuficiência de, pelo menos, R$ 80,6bi em 2027.

Há um agravante adicional para 2027. Embora este não seja o foco deste trabalho, quando são cruzados cálculos de espaço orçamentário considerando apenas o cumprimento do limite de despesas do Novo Arcabouço Fiscal (CONOF, fev/2025) com as estimativas de despesas discricionárias rígidas do PLDO, já há indicativos de insuficiência de recursos, mesmo sem considerar eventuais subestimações de despesas com benefícios[21]. A informação disponível indica que parte do ajuste fiscal de 2027 necessariamente precisará passar pela redução das despesas obrigatórias. A agenda de revisão dessas despesas deveria ser implementada o quanto antes, mas não parece haver ambiente político favorável a esse debate.

O muro fiscal está muito mais perto do que imaginávamos. A atualização do cenário prospectivo para as despesas discricionárias livres (ou de custeio) indica que tratar da agenda estrutural somente depois das eleições presidenciais de 2026, como foi aventado por membros do governo[22], se mostra, hoje, uma estratégia temerária. O cumprimento do Novo Arcabouço Fiscal está sob risco em 2026 e exigirá esforço hercúleo em 2027, ensejando mudanças estruturais profundas no funcionamento do Estado brasileiro.

 

Anexo: Memória de cálculo dos indicadores

Fonte: BRCG, com base em PLDO 2026, RARDP 2025.2, CONOF (2025), Decreto de Reprogramação (12.477/2025), RAF 90 (IFI), Folha de São Paulo e BRCG. ¹Referencial da IFI considera discricionária total, e não aquela sujeita à meta fiscal. Isso pode gerar diferenças residuais, de R$ 3,1bi, que não foram expostas na análise para fins de simplificação.

 DISCLAIMER

Este relatório foi produzido pela BRCG utilizando dados públicos compilados até 13 de junho de 2025 e possui caráter meramente informativo. O relatório é destinado a clientes e investidores institucionais, não podendo a BRCG e/ou os seus analistas serem responsabilizados por quaisquer perdas, diretas ou indiretas, derivadas de sua utilização. Este relatório não pode ser reproduzido, distribuído ou publicado por qualquer pessoa ou instituição, para quaisquer fins, sem a estrita autorização da BRCG.

[1] Durante a elaboração do trabalho, o plano de majoração do IOF inicialmente proposto pelo governo foi substituído por um pacote mais contido de alterações no IOF somado a outras medidas compensatórias (vide MP 1.303/25 e Decreto 12.499/25). Há incerteza acerca do acolhimento pelo Congresso dessas medidas e de seu efetivo impacto sobre o Erário.

[2] Ver: https://oglobo.globo.com/economia/noticia/2025/05/29/governo-tenta-convencer-congresso-a-manter-aumento-do-iof-com-alerta-de-shutdown.ghtml

[3] Leve-se em conta, por exemplo, a diferença entre as projeções do Prisma Fiscal para o primário de 2026 (- R$ 80,7 bi em maio) e o primário que atinge a meta (R$ 0, ou – R$ 55,1 descontando despesas não sujeitas à meta, segundo o PLDO 2026).

[4] Ver: https://brcg.com.br/encontro-marcado-ate-o-fim-da-decada-pressao-nas-despesas-e-a-implosao-das-instituicoes-fiscais/

[5] Disponível em: https://www.tesourotransparente.gov.br/publicacoes/relatorio-de-projecoes-fiscais/2023/21

[6] Ver: https://brcg.com.br/encontro-marcado-ate-o-fim-da-decada-pressao-nas-despesas-e-a-implosao-das-instituicoes-fiscais/

[7] Mais informações em “Considerações sobre o nível mínimo de despesas discricionárias necessárias ao funcionamento da administração pública federal”, de Eduardo Nogueira, no RAF 90 (julho de 2024). Disponível em https://www2.senado.leg.br/bdsf/bitstream/handle/id/657485/RAF90_JUL2024.pdf

[8] Mais informações no RAF 91 (agosto de 2024). Disponível em https://www2.senado.leg.br/bdsf/bitstream/handle/id/658531/RAF91_AGO2024.pdf

[9] Ver https://brcg.com.br/politica-fiscal-as-questoes-em-aberto-apos-o-pacote/

[10] Pereira e Bijos (2025). Disponível em: https://www2.camara.leg.br/orcamento-da-uniao/estudos/2025/ET_042025_0204Projeesfiscaiseoramentriasodesafiodasdespesasdiscricionrias.pdf

[11] Mais informações em https://www1.folha.uol.com.br/mercado/2025/06/derrubada-de-decreto-do-iof-reduziria-despesas-livres-do-governo-a-nivel-critico-de-r-72-bi.shtml

[12] Mais informações em https://www2.camara.leg.br/orcamento-da-uniao/estudos/2025/ET_042025_0204Projeesfiscaiseoramentriasodesafiodasdespesasdiscricionrias.pdf

[13] Em alguns casos específicos, por carência de detalhamento suficiente no PLDO, algumas hipóteses adicionais foram necessárias. Por exemplo, a despesa discricionária do Legislativo foi reajustada pelo crescimento do limite de despesas, assumindo que as interseções de investimentos com emendas impositivas e gastos em Saúde e Educação seguiram as mesmas proporções observadas em 2025.

[14] Algo que CONOF (2025) sinalizou em sua discussão, mas sem aplicar, de forma clara, em seus cálculos.

[15] Segundo apuração da Folha de São Paulo junto a fontes no governo, uma redução de R$ 15,0bi no espaço para despesas livres ocasionada pela revogação do IOF levaria à paralisação da máquina pública. Não se sabe em qual patamar, especificamente, esse esgotamento operacional ocorreria. Ou seja, a paralisação pode ocorrer com qualquer carência entre R$ 1,0bi e R$ 15,0bi. Assim, optou-se por um valor médio de R$ 7,5 bi nas contas pontuais, mas a apresentação das conclusões do relatório está acompanhada de faixas de incerteza, inerentes à forma de obtenção do limiar mínimo de despesas.

[16] Em trabalhos anteriores de referencial mínimo de gastos discricionários, o procedimento de correção pela inflação foi utilizado. Para referências, observar o RAF 28 (mai/19) da IFI em https://www2.senado.leg.br/bdsf/bitstream/handle/id/557346/RAF28_MAIO2019.pdf. Em alguns casos específicos, não havia detalhamento suficiente no PLDO para cálculo desse espaço orçamentário, assim algumas hipóteses foram necessárias, sem prejuízo à análise Como o indicador de IFI (2024) foi divulgado em % PIB, a correção interanual foi feita pelo PIB

[17] Segundo o RAF 90, 0,7% do PIB em 2025. Para mais informações, acesse https://www2.senado.leg.br/bdsf/bitstream/handle/id/657485/RAF90_JUL2024.pdf

[18] Ver: https://oglobo.globo.com/economia/noticia/2025/05/16/fila-do-inss-chega-a-267-milhoes-de-pedidos-a-espera-de-resposta.ghtml

[19] Ver: https://brcg.com.br/politica-fiscal-as-questoes-em-aberto-apos-o-pacote/

[20] R$ 20,7bi de contingenciamento na Revisão Bimestral do Orçamento e R$ 15,0 bi de majoração de receitas que o ministro Haddad defende como “imprescindíveis” já seriam suficientes para consumir todo o espaço de despesas.

[21] Considerando os referenciais adotados neste trabalho (da BRCG e da IFI), o cruzamento entre as estimativas de espaço discricionário da CONOF (fev/2025) para cumprimento do limite de despesas e as projeções do PLDO sobre o espaço necessário para despesas discricionárias rígidas revela, de forma recorrente, insuficiência de recursos — mesmo quando se levam em conta os intervalos de incerteza dos benchmarks. Como podem existir diferenças nos parâmetros da CONOF e do PLDO, e como ao longo do trabalho evitou-se, sempre que possível, realizar cálculos próprios, para reforçar o argumento de que se trabalha com as informações já presentes no Orçamento, optou-se por não dar ênfase a esse resultado. Cálculos similares indicam margem orçamentária em 2026 inferior às recentes correções nas projeções de despesas com benefícios, o que acende alerta sobre a possibilidade de ser necessário reduzir despesas já em 2026.

[22] Ver: https://oglobo.globo.com/economia/noticia/2025/04/24/tebet-ve-janela-para-apertar-os-cintos-nas-contas-publicas-apos-eleicoes.ghtml