15/06/2022
Bottom line: O Banco Central elevou a taxa Selic em 50bps na reunião de junho, levando-a a 13,25%a.a, e sinalizou um novo ajuste, com intensidade igual ou inferior, em sua próxima reunião. A substituição de “convergência para a meta ao longo do horizonte relevante” por “convergência para o redor da meta ao longo do horizonte relevante” não nos parece uma escolha casuística. A convergência da inflação em 2023 é, hoje, uma miragem. Modificamos o nosso call para Selic terminal de 14,00%a.a. em 2022, com elevações de 50bps em agosto e de 25bps em setembro. Mantendo esta taxa até o início de 2024, vemos recuo da inflação, para o redor da meta, daqui a dois anos. É central que a autoridade monetária ofereça um horizonte crível de convergência, sob pena de erodir, ainda mais, a sua credibilidade.
O Banco Central elevou a taxa Selic em 50bps na reunião de junho, referendando as expectativas de mercado e nossa visão expressa em comentário prévio à reunião, levando a taxa de juros a 13,25%a.a. Com inúmeras mudanças no cenário inflacionário e a emergência de iniciativas “não-monetárias” que modificam a distribuição da inflação entre 2022 (para baixo) e 2023 (para cima, de forma menos que proporcional), esperávamos que o Comitê resuscitasse a assimetria negativa do balanço de riscos inflacionário, devido à questão fiscal, e que deixasse claro que o ciclo de ajuste ainda precisaria avançar. Para nossa frustração, o balanço de riscos ainda possui um tom excessivamente simétrico – não era na reunião de maio, e, agora, é menos ainda. Ao menos o ciclo de ajuste monetário continuará avançando, mesmo que todas as sinalizações do Comitê sejam de que o horizonte de elevações será pequeno (em magnitude e tempo decorrido).
Como expressamos em nosso comentário prévio à reunião de junho, tínhamos esperança de que que o Banco Central tivesse postura mais dura, elevando a taxa Selic em 75bps, além de reconhecer, de forma realista, que o horizonte factível para o cumprimento da meta de inflação já teria se deslocado para 2024. Estimávamos baixa probabilidade de que esses ajustes ocorressem, o que, de fato, se confirmou. Foi com frustração, no entanto, que enxergamos uma nova flexibilização do objetivo operacional da autoridade monetária, substituindo “convergência para a meta ao longo do horizonte relevante” (no caso, 2023) por “convergência para o redor da meta ao longo do horizonte relevante”.
Não nos parece uma escolha casuística de palavras. A primeira rodada de flexibilização ocorreu ao final de 2021 (dezembro), abandonando o “cumprimento da meta no horizonte relevante” em detrimento “da convergência à meta ao longo do horizonte relevante”. Agora, nem isso: a convergência pode ser dar para “o redor da meta”, e é difícil imaginar que isto não esteja acima do objetivo pontual de 3,25% em 2023. Note-se que o comunicado já começa a tangenciar o debate de 2024, incorporando as discussões de expectativas e as projeções condicionais para este horizonte, mesmo que seja “não relevante”. Seria boa oportunidade para ancorar o debate de forma realista em um horizonte crível, mas isso (ainda) não ocorreu.
Para além destes pontos, que consideramos centrais, cabem dois comentários adicionais. Em primeiro lugar, é compreensível que o Banco Central não tenha incorporado os efeitos das isenções e desonerações ora em curso, posto que os textos finais ainda não foram sancionados e que há sempre o risco de judicialização pelas partes que se sentirem lesadas (aqui, evidentemente, os governos subnacionais). Isso faz, no entanto, com que os cenários prospectivos traçados já nasçam defasados, atrapalhando sobremaneira a avaliação do plano de voo da autoridade monetária para o horizonte relevante (somente 2023). Em segundo lugar, isto não muda o fato de que os modelos do Banco Central continuam nos parecendo excessivamente benignos na avaliação da inflação dos preços livres, com projeções (2022: 9,4%; 2023: 3,2%; 2024: 2,5%) que são sensivelmente menores do que as nossas (2022: 9,2%; 2023: 4,3%; 2024: 3,4%). Isso é ainda mais verdadeiro se notarmos que a taxa Selic utilizada pela autoridade monetária recua para 10,00%a.a. em 2023 e para 7,50%a.a. em 2024; nosso cenário pressupõe Selic muito mais elevada e ausência de cortes durante até o fim de 2023 (pelo menos), para começar a discutir a possibilidade de cumprimento do objetivo estabelecido pelo CMN em 2024.
Olhando adiante, nossos modelos indicam que seria necessária uma Selic terminal de 15,50%a.a., a ser atingida até reunião de outubro de 2022 e mantida até o final de 2023, para se atingir uma inflação de 3,00% daqui a dois anos. Esse cenário já incorpora a nossa visão a respeito dos efeitos das políticas tributárias em gestação – grosso modo, retira 200bps da inflação de 2022, trazendo-a para 7,5%, e aumenta em 160bps a inflação de 2023, levando-a a 6,2% – e exigiria uma reaceleração do ritmo de elevações da taxa básica para 75bps em alguma das próximas reuniões. É evidente que isto não está nas cartas.
Se rodarmos um cenário alternativo, com uma Selic terminal de 14,00%a.a., a ser atingida até a reunião de set/22 e sendo mantida até o início de 2024, teríamos um recuo da inflação projetada para 3,40% daqui a dois anos – acima do objetivo pontual (3,00%), mas, com alguma boa vontade, mostrando convergência para o redor da meta em 2024. Sob qualquer tipificação, a meta de 2023 parece estar irremediavelmente comprometida – a convergência no ano que vem é, em nossa opinião, uma miragem, e a insistência neste ponto está atrapalhando a boa condução da política monetária.
Isso posto, modificamos o nosso call de Selic terminal para 14,00%a.a. em 2022, com elevações de 50bps na reunião de agosto e de 25bps na reunião de setembro. A taxa Selic deve ser mantida neste nível até meados do primeiro semestre de 2024, como forma de colocar a inflação projetada “ao redor da meta” de 2024. É central que a autoridade monetária ofereça um horizonte crível de convergência, sob pena de erodir, ainda mais, a sua credibilidade.
Mais detalhes seguem abaixo. Como sempre, texto anterior em vermelho e novo texto sublinhado, com grifos onde julgamos relevante.
(1) Cenário externo: Ambiente continua piorando, com revisões negativas para o crescimento, pressão inflacionária crescente e aumento da aversão a risco. Cenário é incerto e volátil, sendo particularmente difícil para os países emergentes.
O ambiente externo seguiu se deteriorando. As, marcado por revisões negativas para o crescimento global prospectivo em um ambiente de fortes e persistentes pressões inflacionárias decorrentes da pandemia se intensificaram com problemas de oferta advindos da nova onda de Covid-19 na China e da guerra na Ucrânia. A. O aperto das condições financeiras motivado pela reprecificação da política monetária nos países avançados, assim como pelo aumento da aversão a risco, eleva a incerteza e gera volatilidade adicional, particularmente nos países emergentes
(2) Atividade doméstica: Subindo o tom benigno, o Copom vê crescimento acima do esperado desde a sua última reunião.
Em relação à atividade econômica brasileira, o conjunto dos indicadores divulgado desde a última reunião do Copom indica um crescimento em linha com oacima do que era esperado pelo Comitê
(3) Inflação e expectativas: Inflação segue surpreendendo negativamente, com maior difusão e expectativas do triênio 2022-2024 acima das metas (falar de 2024 é uma novidade).
A inflação ao consumidor seguiu surpreendendo negativamente. Essa surpresa ocorreu, tanto nosem componentes mais voláteis como nosem itens associados à inflação subjacente
As diversas medidas de inflação subjacente apresentam-se acima do intervalo compatível com o cumprimento da meta para a inflação
As expectativas de inflação para 2022, 2023 e 20232024 apuradas pela pesquisa Focus encontram-se em torno de 8,5%, 4,7,9% e 4,13,25%, respectivamente
(4) Projeções condicionais: O Comitê ajustou a sua premissa de preços de petróleo até o fim de 2022, combinando-a aos cenário de juros e câmbio extraídos da pesquisa FOCUS. Se na reunião de maio uma Selic terminal de 13,25%a.a. não fazia o trabalho de cumprimento da meta em 2023, agora faz menos ainda. As projeções oficiais sobem para 8,8% em 2022 (anterior: 7,3%), 4,0% (anterior: 3,4%) em 2023 e situam-se em 2,7% em 2024, em cenário com corte da taxa básica para 10,0% no ano que vem (anterior: 9,25%) e para 7,50% em 2024. Nos preços administrados, ainda não se incorporou o efeito das isenções tributárias em discussão, o que é defensável, mas torna todo o cenário traçado completamente defasado. O que não muda é uma visão benigna quanto à projeção dos preços livres, agora de 9,4% em 2022 (anterior: 7,6%), de 3,2% em 2023 (anterior: 2,6%) e de 2,5% em 2024. Já incorporamos as mudanças nos preços administrados ao nosso cenário, que passou a ser de IPCA de 7,5% em 2022 (descendo de 9,5%), de 6,2% em 2023 (subindo de 4,6%) e de 3,4% em 2024. Nossas projeções de preços livres seguem sensivelmente mais elevadas que as oficiais, estando agora em 9,2% para 2022, 4,3% para 2023 e 3,4% para 2024, com taxa Selic alcançando 14,00% em set/22 e lá permanecendo até o início de 2024.
No cenário de referência, a trajetória para a taxa de juros é extraída da pesquisa Focus e a taxa de câmbio parte de USD/BRL 4,95*,90*, evoluindo segundo a paridade do poder de compra (PPC). Esse cenário supõe trajetória de juros que termina 2022 em 13,25% a.a., reduz-se para 10,0% em 2023 e 7,50% em 2024. Optou-se por manter a premissa de que o preço do petróleo segue aproximadamente a curva futura de mercado até o fim de 2022pelos próximos seis meses, terminando o ano em US$100110/barril, e passandopassa a aumentar 2% ao ano a partir de janeiro de 2023. AdotaAlém disso, adota-se a hipótese de bandeira tarifária “amarela” em dezembro de 2022 e dezembro, de 2023 e de 2024. Nesse cenário, as projeções de inflação do Copom situam-se em 7,38,8% para 2022 e 3,, 4,0% para 2023 e 2,7% para 2024. As projeções para a inflação de preços administrados são de 6,47,0% para 2022 e 5,7% para 2023, 6,3% para 2023 e 3,3% para 2024. As projeções do cenário de referência não incorporam o impacto das medidas tributárias sobre preços de combustíveis, energia elétrica e telecomunicações que estão em tramitação. O Comitê julga que a incerteza em torno das suas premissas e projeções atualmente é maior do que o usual e cresceu desde a última reunião
(5) Balanço de riscos e decisão: Confirmando as nossas expectativas, o Comitê não ressuscitou o debate de assimetria no cenário prospectivo devido aos riscos fiscais, ainda que tenha notado que os expedientes em discussão diminuam a inflação neste ano e a elevem, de forma menos que proporcional, no ano que vem. Cautela e serenidade continuam sendo motes de atuação, o que explica a escolha pela elevação dos juros em 50bps. Note-se que a convergência passa a ser para o “redor da meta” ao longo do horizonte relevante (2023), dando um passo adicional na flexibilização do mandato estabelecido pelo CMN – não haverá busca estrita da convergência no ano que vem.
O Comitê ressalta que, em seus cenários para a inflação, permanecem fatores de risco em ambas as direções.
Entre os riscos de alta para o cenário inflacionário e as expectativas de inflação, destacam-se (i) uma maior persistência das pressões inflacionárias globais; e (ii) a incerteza sobre o futuro do arcabouço fiscal do país e políticas fiscais que impliquem sustentação da demanda agregada, parcialmente incorporadaincorporadas nas expectativas de inflação e nos preços de ativos. Entre os riscos de baixa, ressaltam-se (i) uma possível reversão, ainda que parcial, do aumento nos preços das commodities internacionais em moeda local; e (ii) uma desaceleração da atividade econômica mais acentuada do que a projetada. Avaliou-se que as medidas tributárias em tramitação reduzem sensivelmente a inflação no ano corrente, embora elevem, em menor magnitude, a inflação no horizonte relevante de política monetária. O Comitê avalia que a conjuntura particularmente incerta e volátil requer serenidade na avaliação dos riscos.
Considerando os cenários avaliados, o balanço de riscos e o amplo conjunto de informações disponíveis, o Copom decidiu, por unanimidade, elevar a taxa básica de juros em 1,000,50 ponto percentual, para 12,7513,25% a.a. O Comitê entende que essa decisão reflete a incerteza ao redor de seus cenários e um balanço de riscos com variância ainda maior do que a usual para a inflação prospectiva, e é compatível com a estratégia de convergência da inflação para as metaso redor da meta ao longo do horizonte relevante, que inclui o ano-calendário de 2023. Sem prejuízo de seu objetivo fundamental de assegurar a estabilidade de preços, essa decisão também implica suavização das flutuações do nível de atividade econômica e fomento do pleno emprego.
(6) Próximos passos: Mais do que deixar a porta aberta para uma elevação, o Comitê já contratou outra elevação, de magnitude igual ou inferior, para a reunião de agosto. O estágio avançado do ciclo, a incerteza da conjuntura e as defasagens de atuação da política monetária demandam cautela adicional na atuação. Não é uma autoridade monetária que deseja ajustar de forma relevante a taxa básica de juros, mas falta combinar este desejo com a evolução do cenário…
O Copom considera que, diante de suas projeções e do risco de desancoragem das expectativas para prazos mais longos, é apropriado que o ciclo de aperto monetário continue avançando significativamente em território ainda mais contracionista. O Comitê enfatiza que irá perseverar em sua estratégia até que se consolide não apenas o processo de desinflação como também a ancoragem das expectativas em torno de suas metas.
Para a próxima reunião, o Comitê antevê como provável uma extensão do ciclo com um novo ajuste, de igual ou menor magnitude. O Comitê nota que a elevadacrescente incerteza da atual conjuntura, além doaliada ao estágio avançado do ciclo de ajuste e seus impactos ainda por serem observados, demandamdemanda cautela adicional em sua atuação. O Copom enfatiza que os passos futuros da política monetária poderão ser ajustados para assegurar a convergência da inflação para suas metas, e dependerão da evolução da atividade econômica, do balanço de riscos e das projeções e expectativas de inflação para o horizonte relevante da política monetária