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Pré-COPOM (set/25): Uma transição delicada
Livio Ribeiro (livio.ribeiro@brcg.com.br)
16/09/2025
Bottom line: Esperamos que o Banco Central mantenha a Selic em 15,00%a.a. na sua reunião de setembro. Há suporte para uma pequena redução da inflação projetada no horizonte relevante, consolidando a linguagem oficial de manutenção dos juros por tempo bastante prolongado. Disciplinar a estrutura a termo já é o principal desafio do COPOM.
A Selic será mantida em 15,00%a.a. no COPOM de set/25 e isso será a informação menos importante dessa reunião. Em sua reunião anterior (jul/25), o COPOM definiu a manutenção dos juros como uma “interrupção no ciclo de alta de juros”, podendo ser retomado caso necessário. A taxa Selic continuará parada em setembro e todas as atenções devem se voltar para a sinalização prospectiva do Comitê.
Na seara externa, há mudanças relevantes que tendem a ser liquidamente positivas para as economias emergentes, nisso incluindo o Brasil. Desde a última reunião do COPOM, criou-se um consenso de que os juros americanos serão reduzidos na reunião do FOMC de setembro (horas antes da decisão da autoridade monetária brasileira), com um ciclo de cortes que deve se estender, pelo menos, até a virada do ano. A despeito de uma aceleração da inflação, derivada das tarifas impostas pela administração Trump, aumenta a preocupação com o comportamento do mercado de trabalho americano, que ganha mais peso dentro do mandato dual do FED. Em um ambiente de juros cadentes, aceleração inflacionária e crescente preocupação com intervenções na parte “longa” da estrutura a termo americana, o dólar tem perdido valor contra todas as moedas, incluindo as do mundo emergente.
Desde o último COPOM, a cotação da nossa moeda recuou pouco mais de R$0,30 frente ao dólar americano. A apreciação de 5,5%, observada desde 31 de julho, foi integralmente motivada por fatores externos, destacando o enfraquecimento global do dólar, a redução dos juros longos americanos e a descompressão do risco emergente, impactando a nossa métrica de risco-país. Com dólar mais fraco, haverá um barateamento relativo dos bens tradables industriais, o que, em si, será fator positivo para a dinâmica inflacionária brasileira. Evidentemente não controlamos a cotação internacional da divisa americana, mas um cenário de dólar persistentemente fraco parece ser o mais provável no futuro próximo.
Questões geopolíticas podem fazer com que não aproveitemos toda a bonança externa. Na imposição de tarifas sobre o comércio exterior americano, o caso brasileiro diverge. A tarifa cobrada sobre os nossos produtos é das mais elevadas (50%, mesmo que repleta de exceções) e há clara motivação política, em função do processo em curso contra o ex-presidente Jair Bolsonaro – cuja condenação já foi definida pelo STF, havendo a possibilidade de recursos. A imposição da Lei Magnitsky sobre o ministro Alexandre de Moraes, sinais de que o seu alcance pode ser ampliado a outros magistrados e a tentativa de enquadrar o PIX como prática concorrencial desleal abrem a possibilidade de uma escalada das retaliações americanas contra o Brasil, para além das estritamente comerciais. Há cenários nos quais a nossa moeda não consegue se aproveitar da fraqueza global do dólar, ainda que eles não sejam centrais.
Na seara doméstica, vão se confirmando os sinais de uma progressiva desaceleração da atividade econômica. Os indicadores de atividade em alta frequência enviam sinais mistos, o que tipicamente prenuncia inflexão econômica. Do lado negativo, há evidente desaceleração do crédito, das vendas no varejo, especialmente nos segmentos crédito-intensivos, e da indústria de transformação, ainda que de forma menos dramática. Do lado positivo, o setor de serviços segue pujante, marcando novo pico histórico, e o varejo renda-intensivo ainda sugere algum fôlego para o consumo. De forma totalmente exógena ao ciclo, tivemos um forte desempenho da agropecuária no primeiro semestre, o que tende a diminuir adiante, e há evidências de forte aceleração da produção extrativa, o que continuará adiante. Juntando todos esses vetores, emerge uma resultante levemente negativa para o crescimento no futuro próximo.
Uma desaceleração progressiva da economia é uma realização mais suave do que a (implicitamente) considerada pelo COPOM. No Relatório de Política Monetária (RPM) de junho, o Banco Central revisou novamente o hiato do produto, para cima (economia operando além das suas possibilidades), e indicou uma importante desaceleração da economia em meados do ano. O comportamento recente dos dados de alta frequência e o resultado do PIB no 2º trimestre de 2025 indicam certo exagero na desaceleração imaginada pelo Banco Central. Isso tem implicações sobre a condução prospectiva da política monetária e será incorporado à comunicação do Comitê; certamente no RPM de setembro e, provavelmente, já na reunião do COPOM.
A nota dissonante está na pujança do mercado de trabalho, mesmo se considerarmos efeitos defasados das restrições monetárias. E isso impacta, de maneira evidente, a inflação de serviços. A taxa de desemprego atingiu um novo mínimo histórico no trimestre móvel encerrado em julho, em 5,6%, com formalização, aumento real dos rendimentos e perspectiva de robustez adicional adiante. Em ambiente de mercado de trabalho aquecido e pressão fiscal, inclusive por instrumentos não-orçamentários, há evidente dificuldade de convergência da inflação de serviços – que, no IPCA de agosto, acelerou para +6,2% em 12 meses, o ritmo mais rápido desde dezembro de 2023.
Mesmo com divergências nos dados, identificamos uma pequena melhora no balanço de riscos para a inflação. A foto da inflação não é exatamente favorável, com IPCA em 12 meses em +5,1%, enorme dificuldade de desinflação nos preços livres, pressão evidente na inflação de serviços e métricas subjacentes inconsistentes com o cumprimento do regime de metas. Olhando adiante, no entanto, configura-se um cenário de desaceleração global, redução dos juros internacionais e apreciação cambial, com efeito nas expectativas de inflação coletadas aos agentes econômicos. Mesmo que as expectativas medidas a mercado (inflação implícita) não tenham se reduzido e que exista claro desconforto no comportamento do hiato do produto e na composição da inflação, ainda assim identificamos uma pequena melhora no balanço de riscos desde o último COPOM. Tal melhora deve ser incorporada ao cenário oficial, ainda que sem introduzir qualquer assimetria ao balanço de riscos.
Esperamos uma pequena redução do IPCA projetado pelo Banco Central para o horizonte relevante. Mantendo o horizonte relevante no 1º trimestre de 2027, esperamos uma redução de 0,1p.p. no IPCA projetado, para +3,3%. Tal projeção utiliza os juros no cenário de referência[1], com Selic mantida em 15,00%a.a. até o final de 2025, encerrando 2026 em 12,25%a.a. O movimento, ainda que pequeno, será a primeira redução da inflação projetada, sem extensão temporal do horizonte relevante, em muitas decisões do COPOM. A projeção segue acima da meta de inflação e o cumprimento do regime de metas (IPCA abaixo de +4,5%) só será observado, pelos modelos oficiais, no 1º semestre de 2026. Ainda assim, será evidente a melhora da avaliação prospectiva.
Nossos modelos seguem enxergando projeções de inflação mais elevadas que as oficiais. Mas, tomando-se por objetivo o cumprimento do regime de metas, abre-se espaço para flexibilização monetária a partir do 2º trimestre de 2026. Nos modelos da BRCG, um ciclo de afrouxamento monetário iniciado no 2º trimestre do ano que vem, que leve Selic a 13,25%a.a. até o final do ano, será consistente com uma projeção de inflação de +4,4% no atual horizonte relevante (1º trimestre de 2027) e de +4,1% ao final de 2027. A meta de inflação continuará distante, mas mesmo em nossos modelos, mais conservadores (e mais precisos), também ocorre uma melhora no cenário projetado.
Esperamos uma transição da comunicação oficial, o que será bastante delicado. Em função da evolução do cenário, parece pouco razoável que o Comitê mantenha o “dedo no gatilho”. Com isso, esperamos um ajuste de comunicação, com a manutenção da Selic deixando de ser definida como uma “interrupção no ciclo de alta de juros” e passando a ser tratada como “pausa em um patamar a ser mantido por tempo bastante prolongado”. Naturalmente, aumentará a pressão para que o Comitê antecipe o início da flexibilização monetária, especialmente em caso de atuação mais dovish do banco central americano – o que, hoje, é um risco longe de ser desprezível.
O COPOM será intensamente testado daqui em diante. Sempre defendemos que a disposição de manter a Selic por “tempo bastante prolongado” seria testada pelo mercado. A redução das projeções condicionais e a mudança na linguagem oficial, caso confirmadas, teriam eco na evolução recente do cenário – e, dessa forma, não deveriam ser vistas como um “voluntarismo” do Comitê. Ainda assim, é razoável que sejam interpretadas, por parte relevante do mercado, como o início da construção de uma narrativa para a redução da taxa Selic. Disciplinar a estrutura a termo, evitando a precificação de cortes excessivos nos juros, já é o principal desafio do COPOM.
[1] Tomando a partir da Pesquisa FOCUS de 12 de setembro de 2025.
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Este relatório foi produzido pela BRCG utilizando dados públicos compilados até 16 de setembro de 2025 e possui caráter meramente informativo. O relatório é destinado a clientes e investidores institucionais, não podendo a BRCG ou os seus analistas serem responsabilizados por quaisquer perdas, diretas ou indiretas, derivadas de sua utilização. Este relatório não pode ser reproduzido, distribuído ou publicado por qualquer pessoa ou instituição, para quaisquer fins, sem a estrita autorização da BRCG.