17/01/2023
Bottom line: O PIB chinês cresceu 2,9% em termos interanuais no 2022.T4, resultado superior à mediana de mercado e bem mais próximo de nossa estimativa. Em 2022, a economia chinesa cresceu 3,0%, o segundo desempenho mais fraco dos últimos 45 anos, sendo afetada por crônica incapacidade de dinamizar a demanda interna. Seguimos na ponta pessimista quanto ao crescimento deste ano. Esperamos agora uma expansão do PIB de 4,7% em 2023, reconhecendo grandes desafios e incertezas nas condições de contorno da economia.
Confirmando os sinais mais negativos que emergiram ao longo do trimestre, o PIB chinês cresceu 2,9% em termos interanuais no 2022.T4 (gráfico 1). Tal resultado foi superior ao esperado pelo mercado (crescimento de 1,5%) e veio mais próximo da vintage final de nosso tracking (crescimento de 2,5%). Pelo comportamento dos trimestres de 2022, resultado claro que a mediana de mercado teve maiores dificuldades para ajustar seus modelos frente aos choques sanitários ocorridos no 2022.T2 e no 2022.T4. Foi, de fato, um ano repleto de reviravoltas, sendo a última a supressão da política de Covid-zero no início de dezembro – choque negativo no curto prazo, mas que, em tese, abre espaço para uma melhora da economia durante 2023. As incertezas prospectivas seguirão elevadas, com dúvidas quanto à velocidade de retomada da economia e enfrentando um mundo cada vez mais hostil à ascensão chinesa.
Desde a eclosão da Covid, em 2020, a China tem passado por um período de relevante instabilidade do crescimento. Ainda que de forma não tão marcada quanto em 2020, o ano passado pode ser visto como outro período perdido em termos de crescimento. O PIB de 2022 cresceu somente 3,0% (gráfico 2), uma das mais baixas expansões da história recente chinesa – excetuando 2020, o crescimento do ano passado foi o menor desde 1976, ano de marcada instabilidade política com a morte de Mao Zedong e o início da transição para a era de Deng Xiaoping.
A análise das implicações prospectivas do fraco crescimento de 2022 precisa passar pelo comportamento da atividade durante o ano e por sua composição. No primeiro enfoque, é importante notar que o ano fechou em tom negativo (gráfico 3), com crescimento marginal no 2022.T4 de somente 0,5% (frente ao trimestre anterior, na série livre de influências sazonais). Com isso, a China se afasta cada vez mais da extrapolação da tendência de crescimento anterior à pandemia (gráfico 4), sugerindo, ao menos, desafios persistentes para a retomada do crescimento. O comportamento durante o ano importa; com perfil de crescimento marginal mais fraco no final do ano, a herança estatística para o crescimento de 2023 será de somente 1,4p.p. (gráfico 5) – a mais baixa desde 2011, quando a série ajustada sazonalmente passou a estar disponível.
Já em termos de composição, temos ressaltado, há muito tempo, que o grande desafio para a economia chinesa em 2022 estava na capacidade de dinamizar a demanda interna. Fosse por incerteza sanitária, percepção cadente de renda ou choques sobre a riqueza (especialmente no imóveis), os consumidores chineses se mostraram retraídos durante todo o ano. A supressão da política de Covid-zero tende a reduzir, no médio prazo, a incerteza sanitária – mesmo que implique, em prazos mais curtos, em explosão de casos, óbitos e sucessivas ondas de contaminação posteriores. Já as questões de incerteza na renda futura e de efeito-riqueza negativo tendem a ser mais persistentes. A piora dos indicadores de renda esperada e o aumento da propensão marginal a poupar observados ao final de 2022 (gráfico 6) geram um mau agouro para uma retomada tão rápida da economia em 2023.
Refletindo essas condições de fundo desafiadoras, o PIB chinês pela ótica da demanda mostrou uma baixa contribuição do consumo (público e privado) durante 2022 (gráfico 7), mimetizando, em escala inferior, o fenômeno também observado em 2020. Os investimentos, amplamente favorecidos pelas políticas públicas implementadas no ano passado, responderam por aproximadamente 50% da expansão do PIB anual. Há evidente espaço para a normalização da contribuição do consumo interno em 2023, depois de desempenho pífio em 2022 – excetuando 2020, claramente abaixo do padrão usual (gráfico 8). Resta a dúvida, no entanto, sobre as condições de fundo: o ajuste da questão sanitária é condição necessária para a normalização, mas será suficiente?
A contrapartida do comportamento do PIB pela demanda se observa, de maneira clara, sob a ótica da oferta (gráfico 9): 2022 foi marcado por uma redução da participação relativa dos serviços e pelo aumento da contribuição do setor secundário, onde se encontram as manufaturas e a construção civil. As aberturas subsetoriais ainda não estão disponíveis, mas sugere-se que o desempenho da construção, mesmo com colapso das atividades imobiliárias, foi de extrema relevância – tanto que, ao contrário do ocorrido em 2020, o setor secundário foi o principal motor de expansão do PIB durante o ano passado.
Resultam, assim, desafios relevantes para a economia chinesa em 2023. Será necessário compensar o baixo carregamento estatístico e a falta de confiança dos consumidores para retomar taxas de crescimento mais elevadas. Há dois caminhos possíveis, cada qual com os seus riscos. De um lado, o governo pode dobrar a aposta em infraestrutura e construção, afastando-se cada vez mais da transição dos vetores de crescimento da economia – ou seja, ocorreria um aprofundamento da dinâmica observada no pós-Covid (gráfico 10), com todas as suas implicações em termos de eficiência e aumento de desequilíbrios estruturais da economia. De outro lado, o governo pode acelerar a implementação de políticas voltadas à promoção do consumo de bens e serviços, retomando a trajetória de transição dos vetores de crescimento, a um custo fiscal elevado e com importantes incertezas quanto ao resultado final.
Não há caminho fácil, mas continuamos a entender que, sem atacar de forma clara a carência de demanda interna, não será possível obter taxas de crescimento robustas e sustentáveis. O mundo não vai ajudar e os limites de uma expansão adicional de infraestrutura começarão a aparecer. Seguimos céticos quanto a uma grande aceleração do crescimento chinês em 2023, em alinhamento a uma corrente mais pessimista de analistas. Incorporando a surpresa positiva do 2022.T4 e ajustando os nossos modelos iniciais (tabela 1), esperamos expansões interanuais de 3,7% no 2023.T1 (anterior: 3,3%) e de 6,4% no 2023.T2. Projetamos que o PIB chinês crescerá 4,7% (anterior: 4,5%) em 2023.
Gráfico 1: Crescimento do PIB trimestral (interanual, comparado às expectativas de mercado)
Gráfico 2: Crescimento do PIB (anual)
Gráfico 3: Crescimento do PIB trimestral (margem)
Gráfico 4: PIB dessazonalizado em nível (dez/2010=100)
Gráfico 5: Carregamento estatístico para 2023 (p.p.)
Gráfico 6: Pesquisa nacional dos poupadores bancários (segmentos específicos)
Gráfico 7: Crescimento do PIB (ótica da demanda)
Gráfico 8: Contribuição relativa do consumo interno para o crescimento (anual)
Gráfico 9: Crescimento do PIB (ótica da oferta)
Gráfico 10: Composição do PIB – secundário vs. terciário (anual)
Tabela 1: Tracking PIB China (2023.T1 – 1a atualização)