DESTAQUE BRCG | Cenário 2025
EUA: Mudanças bruscas de direção
Livio Ribeiro (livio.ribeiro@brcg.com.br)
13/02/2025
Bottom line: Com fortes mudanças nas diretrizes econômicas americanas, após a eleição de Donald Trump, o espaço para cortes adicionais da taxa de juros americana tende a ser limitado em 2025. Será um ano de grandes incertezas e volatilidade, mantendo risco elevado, juros longos pressionados e dólar forte.
Como foi 2024: Mudanças bruscas de direção
O ano foi marcado por inúmeras derrapadas na comunicação do FOMC e bruscas mudanças na avaliação do cenário macroeconômico. Mas, ainda assim, deu-se início ao ciclo de afrouxamento monetário. Com excessivo peso ao comportamento dos dados correntes, a comunicação do Banco Central Americano (Federal Reserve, ou FED) variou mais do que o recomendável. Após inúmeras mudanças de avaliação do cenário durante os primeiros trimestres do ano, oscilando entre cortes de juros iminentes e manutenção da taxa de juros referencial por horizonte indeterminado, o comitê de política monetária (FOMC) iniciou a retirada da restrição monetária em sua reunião de setembro – mas o fez de forma bastante atabalhoada.
Ao abrir os cortes de juros com um movimento mais agressivo, o FOMC chocou o mercado. O corte inicial de 50bps foi bastante pouco usual, e, por si, indicaria a autoridade monetária se imaginava “atrás da curva”. A sinalização do FOMC, no entanto, apontou para uma redução do ritmo de cortes da Fed Fund já em sua reunião seguinte, em novembro. E, pior, as justificativas apresentadas para um corte inicial mais agressivo não foram nem compreendidas, nem bem recebidas, pelo mercado, levando a um período de extrema volatilidade na estrutura a termo das taxas de juros americanas.
Com mais dois cortes de juros de 25bps nas reuniões de novembro e dezembro, o ciclo de cortes de juros – entendido como movimentos sequenciais de flexibilização monetária – parece concluído. A taxa de juros americana atingiu o patamar de 4,25-4,50%a.a. ao final de 2024, sendo que, na reunião do FOMC de dezembro, já houve dissenso pela manutenção da taxa básica. Ainda que a sinalização prospectiva não fosse taxativa, foram abundantes os sinais de que os juros americanos não continuariam a cair no início de 2025. E, mais importante, havia boas razões – econômicas e institucionais – para isso.
A economia americana deu recorrentes sinais de solidez durante 2024. A despeito de expectativas mais negativas no início do ano, os cenários de forte desaceleração, ou até mesmo recessão (pouso forçado, ou hard landing), não se confirmaram. A economia seguiu resiliente, para encerrar 2024 com um crescimento do PIB (preliminar) de +2,8% – virtualmente a mesma velocidade observada em 2023 (+2,9%) e claramente acima das estimativas de expansão potencial da economia.
A abertura do PIB de 2024 reforçou o vigor econômico, destacando a expansão da absorção doméstica privada. Em relação a 2023, o crescimento do PIB trouxe acelerações do consumo privado (+2,8%), dos investimentos (+4,0%) e das exportações (+3,2%), parcialmente contrapostos por uma aceleração das importações (+5,4%). É importante notar que o principal vetor de expansão foi o setor privado da economia, com a absorção pública desacelerando frente a 2023, mas ainda mantendo um ritmo acelerado de crescimento (+3,4%).
Parte importante da força da demanda interna esteve associada a um mercado de trabalho pujante. A taxa de desemprego encerrou 2024 em somente 4,1%, acima do fechamento de 2023 (3,8%) mas mantendo um patamar historicamente baixo. A economia americana seguiu gerando empregos durante todo o ano e a renda disponível manteve crescimento real, mesmo que menos vigoroso do que em períodos anteriores.
A política fiscal seguiu estimulativa, respeitando os princípios da Bidenomics. O déficit primário no ano fiscal de 2024, encerrado em setembro, foi de 3,3% do PIB, com pequena melhora (0,4p.p.) em relação ao observado no período anterior. O perfil de gastos seguiu concentrado em seguridade social, saúde e defesa, respondendo não somente aos crescentes desafios geopolítico externos, como também ao (natural) ciclo eleitoral interno. A despeito de alguma melhora primária, o déficit nominal avançou para 6,3% do PIB, marginalmente acima do observado em 2023. Como esperado, não houve qualquer esforço significativo para uma consolidação fiscal; o endividamento público avançou na direção de 100% do PIB, e os sinais são de crescimento adicional adiante.
Toda essa pressão implicou em dificuldades na convergência inflacionária, com a inflação ao consumidor afastando-se da meta de médio prazo. A inflação acumulada em 12 meses pelo PCE (personal consumption expenditures) atingiu 2,1% em setembro, praticamente na meta de médio prazo (2,0%) do FOMC, mas mostrando preços em duas velocidades – com uma deflação de bens e inflação de serviços em patamar relativamente elevado. Durante o último trimestre do ano, a inflação de bens subiu e a de serviços permaneceu no mesmo patamar, em movimento que surpreendeu muitos participantes do mercado (não nos incluímos neste grupo). Em 2024, o PCE avançou +2,6%; levemente abaixo do observado no ano anterior (+2,7%) e longe da meta de médio prazo.
O cenário prospectivo inspira cuidados. Com demanda agregada pressionada, dificuldades na convergência inflacionária e uma atuação atabalhoada do FOMC, construiu-se um entendimento de que a condução da política econômica americana foi leniente e descoordenada em 2024. Isso levou a um movimento de maior aversão ao risco, com abertura dos juros longos e fortalecimento do dólar americano ao final do ano. A situação ficou ainda mais delicada após a vitória de Donald Trump nas eleições presidenciais do fim do ano, com recondução ao cargo em janeiro de 2025.
A volta de Donald Trump traz novas camadas de incerteza. A eleição do candidato republicano, por maioria acachapante e tendo o controle do Congresso (red wave), sugere que muitas das promessas de campanha serão levadas a cabo. Espera-se, assim, um aumento generalizado das tarifas sobre o comércio exterior, incentivos a setores tradicionais, abandono das agendas de transição energética e climática, deportação de imigrantes e maior isolamento, geopolítico e institucional, dos EUA. As políticas tendem a ser inflacionárias, especialmente em bens e nos serviços mais intensivos em mão-de-obra. E, no curto prazo, não serão necessariamente negativas para o crescimento, o que dificultará a percepção dos seus impactos deletérios, a médio prazo, sobre o PIB potencial.
O que esperamos de 2025: Mudanças no regime econômico e limitação do espaço para flexibilização monetária adicional.
A eleição de Trump muda tudo, dentro e fora dos Estados Unidos. A agenda do novo governo propõe enormes mudanças na forma como a economia americana funciona. Dentro das fronteiras do país, a atuação do Estado será amplamente modificada e novos (ou velhos?) objetivos estratégicos serão perseguidos. A relação com o mundo passará por grande transformação, abandonando o multilateralismo e ampliando o isolamento americano, com a ressurreição das agendas Make America Great Again (MAGA) e America First.
A agenda “3-3-3” melhoraria o ambiente econômico interno, mas sua viabilidade é bastante contestável. A persecução conjunta de um crescimento de 3%, de uma redução do déficit fiscal para 3,0% do PIB e de um aumento da produção de petróleo doméstica em 3mi barris/dia é amplamente vista como inexequível, ainda que avanços nessa direção possam ser implementados. Há esperança de que o Departament of Government Efficiency (DOGE) promova uma maior eficiência da atuação do Estado, ainda que suas metas quantitativas, como a redução de despesas em quase US$ 1tri, não pareçam realistas. Há perigo real de captura do Estado por interesses privados, e certos temas, como o acesso irrestrito a dados identificados, representam enorme involução institucional.
A agenda tarifária começa a andar. Poucos dias após a posse de Trump, começaram a ser implementadas as primeiras medidas – levando, inclusive, a algumas retaliações de parceiros comerciais relevantes, como a China. Há evidente mistura de objetivos comerciais e geopolíticos, tornando a antecipação de países e setores tarifados bastante difícil. Nesse ambiente, aumenta a incerteza e já começam a aparecer os primeiros efeitos reais, e negativos, sobre o comércio global.
Nova política migratória pode afetar a estrutura da economia. O avanço das políticas anti-imigração, se consistente, levará a desequilíbrios no mercado de trabalho americano. Mais do que efeitos em volumes, a preocupação está nos preços (salários), com um aumento da competição por trabalhadores em vagas de menor qualificação que terá reverberações por toda a cadeia laboral. O aumento do risco e da incerteza não podem ser menosprezados, inclusive para trabalhadores mais qualificados, o que tornaria o ambiente menos propício ao crescimento e à inovação ao longo do tempo.
Não é um ambiente adequado à desinflação, colocando a retomada dos cortes de juros pelo FOMC “na berlinda”. Ainda que efeitos sobre o crescimento econômico não sejam óbvios no curto prazo (nem para melhor, nem para pior), as políticas sinalizadas são liquidamente inflacionárias. Esperamos que o PCE encerre 2025 em torno de 2,5%, virtualmente sem nenhum avanço em relação a 2024. O cenário é altamente sensível à extensão das agendas comercial e imigratória; isso posto, é razoável que o FOMC não sinalize cortes de juros, pelo menos, durante o primeiro semestre de 2025.
Nosso cenário-base ainda pressupõe uma pequena redução da Fed Fund na segunda metade no ano, mas com convicção cada vez menor. Além disso, enxergamos crescente assimetria negativa. Com dois cortes de 25bps na segunda metade do ano (reuniões do FOMC de setembro e dezembro), levando a uma taxa terminal de 3,75%-4,00%a.a., esperamos que o PCE oscile ao redor de 2,5% até o final de 2026 – em cenário de efeitos “comedidos” das políticas comercial e migratória, a inflação americana não converge, propriamente, para a meta de 2,0%. A visibilidade prospectiva é baixa, mas parece existir certa assimetria negativa: não refutamos a possibilidade de que o FOMC seja forçado a subir a taxa de juros na segunda metade de 2025, ainda que este seja, hoje, um cenário de menor probabilidade.
Com hipersensibilidade aos dados e ruídos de curto prazo, esperamos grande volatilidade. A estrutura a termo da taxa de juros deve continuar a oscilar fortemente, reduzindo a visibilidade prospectiva e atrapalhando as decisões de investimento e consumo. Nesse ambiente, os juros longos americanos terão dificuldade de reduzir de forma consistente, trazendo desafios adicionais ao crescimento e à mudança do perfil econômico buscada pela atual administração.
É provável que tenhamos dólar forte durante todo o ano. O desempenho econômico relativamente robusto no curto prazo, a aversão global ao risco em ambiente de elevada incerteza e os juros mais elevados devem fazer com que o dólar siga forte em 2025. Isso colocará pressão sobre a economia global, especialmente nas taxas de câmbio de outros países desenvolvidos e emergentes, em meio a sucessivas ondas de incerteza geradas pelas novas políticas tarifárias. Uma eventual descompressão do risco “geopolítico militar”, com solução para conflitos no Oriente Médio e no Leste Europeu, pode trazer alívio no curto prazo. Mas, ao longo do tempo, a incerteza “geopolítico institucional/comercial” deve se sobrepor, mantendo o cenário “delicado” neste ano.
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Este relatório foi produzido pela BRCG utilizando dados públicos compilados até 12 de fevereiro de 2025 e possui caráter meramente informativo. O relatório é destinado a clientes e investidores institucionais, não podendo a BRCG e/ou os seus analistas serem responsabilizados por quaisquer perdas, diretas ou indiretas, derivadas de sua utilização. Este relatório não pode ser reproduzido, distribuído ou publicado por qualquer pessoa ou instituição, para quaisquer fins, sem a estrita autorização da BRCG.