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Isenção do IR: O debate só começou
Matheus Rosa Ribeiro (matheus.ribeiro@brcg.com.br)
Livio Ribeiro (livio.ribeiro@brcg.com.br)
20/03/2025
Bottom line: O PL da isenção do IR traz avanços do ponto de vista de progressividade tributária, com impacto fiscal bem inferior ao que se imaginava há alguns meses. Entretanto, o potencial arrecadatório das medidas compensatórias é incerto, sob risco de planejamento tributário e litígio jurídico. Estados e municípios perdem arrecadação com o desenho proposto. Há inúmeras fragilidades na proposta, e pressões políticas devem levar a grandes mudanças no texto durante a sua tramitação congressual. O debate só começou.
O governo anunciou, em 18 de março, um pacote de medidas voltadas à arrecadação federal, com destaque para a ampliação da isenção do Imposto de Renda. As medidas divulgadas intentam alguma revisão da defasagem na tabela do IRPF, compensando a renúncia arrecadatória com elevação da tributação sobre os mais ricos. Honra-se, assim, uma das principais promessas feitas na última campanha presidencial. Ainda que as medidas tenham sido costuradas de forma a tornar o impacto fiscal tão contido quanto possível, há preocupações quanto à forma de compensação, quanto à capacidade arrecadatória das medidas propostas e quanto a possíveis efeitos colaterais, que não parecem estar devidamente considerados nas simulações oficiais.
As mudanças na tabela do IRPF ocorrerão em horizonte plurianual. Em 2025, o pacote engloba uma correção na faixa de isenção do IRPF, para que rendimentos até 2 salários-mínimos de todos os contribuintes sejam isentos (impacto de R$ 5bi). Essa é a única medida que não consta no projeto de lei (PL) 1087/2025, e será viabilizada em outra legislação. A principal mudança, no entanto, ocorrerá a partir de 2026, quando a isenção para rendimentos totais de até R$5mil/mês será implementada, com desconto na tributação também para quem recebe entre R$5mil e R$7mil (impacto de R$ 25bi). Note-se que a mudança que ocorre em 2025 beneficia a todos os contribuintes, enquanto a mudança de 2026 não beneficia aqueles que recebem acima de R$ 7mil/mês.
As medidas compensatórias começam em 2026 e ocorrem em duas frentes. A primeira frente é o imposto mínimo para pessoas de alta renda. Quem tem rendimentos acima de R$ 100mil/mês – aqui considerando inclusive rendas de aluguéis, dividendos e rendimentos isentos – deverá pagar ao menos 10% de imposto. Para evitar planejamento tributário, haverá uma rampa para alíquota do imposto mínimo, e quem recebe entre R$ 50mil e R$ 100mil/mês terá uma incidência do tributo com alíquota menores, e crescentes, até o 10%. O montante a ser pago de imposto poderá sofrer descontos, tais como o imposto de renda pago na fonte e os rendimentos isentos (que entram na base de cálculo, mas não na base de incidência). A segunda frente da compensação está nos lucros e dividendos recebidos de uma determinada empresa. Se os rendimentos forem superiores a R$ 50mil/mês, será necessário pagar uma alíquota de 10% de imposto de renda. A mesma alíquota incidirá sobre quaisquer lucros e dividendos enviados ao exterior, sem limite mínimo mensal.
As estimativas do governo sobre o impacto fiscal das medidas de renúncia de receita nos parecem, em princípio, razoáveis. Desde o ano passado, a comunicação do governo sobre a nova isenção do IR deixava lacunas importantes, que traziam incerteza quanto ao impacto fiscal. Projeções de impacto acima de 0,5% do PIB deixaram de ser plausíveis após o ministro Haddad indicar, em 28 de novembro, que rendimentos acima de um valor referencial da ordem de R$ 7mil/mês[1] não seriam beneficiados pela revisão do limite de isenção. Ainda assim, havia dúvidas sobre a transição (rendas mensais entre R$ 5mil e R$ 7mil), que poderia levar a projeções de impacto da isenção, até R$ 5mil/mês, entre 0,2% e 0,4% do PIB. Caso a tributação nessa faixa de transição crescesse de forma linear, estimávamos impacto da ordem de 0,2% do PIB (precisamente R$ 26bi). Como é justamente esse formato que consta no projeto de lei, a estimativa do governo de impacto de R$ 5bi (0,04%PIB) para a isenção até 2 salários-mínimos em 2025 e de R$ 25bi (0,19%PIB) para a isenção até R$5mil/mês em 2026 nos parece sensata.
As propostas de compensação geram preocupações. O governo estima arrecadação de R$ 34bi com as medidas compensatórias. Em nosso entendimento, há uma incerteza elevada quanto ao potencial arrecadatório das medidas propostas, algo que o governo não sinaliza adequadamente em sua comunicação. Certamente, os contribuintes irão modificar decisões de investimento e de composição patrimonial para reduzir o pagamento de impostos, tornando uma análise ceteris paribus do potencial de receita um termômetro impreciso. Fora, claro, as margens para judicialização e os impactos para além do fiscal, em termos de alterações nos preços relativos de ativos e nos incentivos a formatos específicos de empresas.
Estados e municípios não parecem devidamente abarcados na proposta, o que deverá ser um dos condutores do debate no Congresso. Instituições ligadas a esses entes subnacionais têm manifestado preocupação com o impacto negativo da medida sobre os recursos subnacionais[2]. Ressalte-se que, para além das transferências constitucionais, estados e municípios ficam com a integralidade do IR retido na fonte de seus funcionários. Os potenciais impactos da isenção do IR sobre outros entes da federação e o posicionamento do presidente da Câmara[3] sugerem que o texto final do projeto poderá ser bem modificado em relação à proposta inicial do governo.
Texto final da proposta deverá ser muito diferente do atual. Apesar da cacofonia na comunicação da proposta, o governo entregou um desenho com impacto fiscal bem inferior ao que uma revisão ordinária da tabela para isentar até R$ 5mil/mês sugeriria. Além disso, o PL contribui para a progressividade do sistema tributário, beneficiando em especial a classe média e elevando a tributação da parcela mais rica da população. No entanto, há pontas soltas importantes na proposta: incerteza sobre a arrecadação das medidas compensatórias (planejamento tributário); possíveis litígios; efeitos negativos sobre entes subnacionais; e efeitos setoriais difíceis de mensurar, com mudanças nos incentivos que regem as escolhas de composição patrimonial e gestão empresarial. Ao que tudo indica, essas pontas soltas, e prováveis pressões políticas, devem levar o Congresso a alterar sensivelmente a proposta ao longo da sua tramitação. A proposta oficial deve ser vista, portanto, como um início dos debates, e não como o desenho final a ser implementado.
DISCLAIMER
Este relatório foi produzido pela BRCG utilizando dados públicos compilados até 20 de março de 2025 e possui caráter meramente informativo. O relatório é destinado a clientes e investidores institucionais, não podendo a BRCG e/ou os seus analistas serem responsabilizados por quaisquer perdas, diretas ou indiretas, derivadas de sua utilização. Este relatório não pode ser reproduzido, distribuído ou publicado por qualquer pessoa ou instituição, para quaisquer fins, sem a estrita autorização da BRCG.
[1] À época, falava-se em R$ 7,5mil, mas o valor foi levemente reduzido no projeto final, para R$ 7mil.
[2] Ver, por exemplo: https://cnm.org.br/comunicacao/noticias/isencao-ir-compensacao-para-municipios-indicada-por-governo-e-incerta-e-fere-pacto-federativo
[3] Ver: https://www.poder360.com.br/poder-congresso/o-congresso-vai-alterar-diz-motta-sobre-isencao-ate-r-5-000/b