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PEC da Transição: Presos no feitiço do tempo
Livio Ribeiro (livio.ribeiro@brcg.com.br)
Matheus Ribeiro (brcg_fiscal@brcg.com.br)
27/12/2022
Bottom line: A aprovação da PEC, já como Emenda Constitucional (EC 126/2022), autoriza uma elevação de gastos da ordem de R$ 170bi em 2023, com iniciativas dentro e fora do Teto. Contabilizar as exceções ao Teto faz pouco sentido, na medida em que uma nova regra fiscal será apresentada até o final de agosto de 2023. A direção do debate sugere mais gastos no futuro, sem sinal de disciplina. Não perdemos a oportunidade de perder uma oportunidade.
Como destacamos em texto anterior[1], desde a minuta inicial, a discussão presente na PEC da Transição suscitava algumas preocupações importantes. Muito peso se dava à autorização para gastos adicionais no ano que vem (e até mesmo depois), montante da ordem de R$ 200bi sem compensação definida. Mais relevante do que isso talvez fosse o que estava implícito nos textos apresentados, com desenho de incentivos inadequados aos formuladores de políticas públicas, ou, pior ainda, na ausência de uma discussão organizada sobre um arcabouço fiscal, crível e exequível, de médio prazo.
Textos alternativos, apresentados em paralelo à minuta da PEC, pareciam indicar caminhos para uma discussão que colocasse o debate de emenda constitucional em bases mais plausíveis – fosse no montante de gastos autorizados, na duração da licença, nos limites a gastos adicionais ou na apresentação de um novo arcabouço fiscal. Mesmo com mudanças entre a Minuta e o texto promulgado (já como EC 126/2022), ficou-se com a sensação de que mais ajustes poderiam, e deveriam, ter sido feitos.
Na prática, ocorreram modificações relevantes durante a tramitação bicameral, inclusive respondendo a mudanças, de última hora, ocorridas nas condições de contorno da negociação entre Executivo e Legislativo: a autorização para a retirada de gastos sociais do Teto, feita pelo ministro do STF Gilmar Mendes, e a definição de inconstitucionalidade do “orçamento secreto”, em votação plenária no mesmo STF, certamente embaralharam o balanço de força entre os atores envolvidos, exigindo novos compromissos e acomodações.
Ao final, o texto promulgado abriu espaço para uma elevação de despesas de R$ 170bi no ano que vem. Destes, R$ 145bi são despesas sujeitas ao Teto de 2023, cujo “pé-direito” foi elevado – viabilizando, assim, a inclusão de diversas demandas e promessas no Orçamento de 2023, tais como maiores gastos com transferências sociais dentro do Programa Bolsa Família (R$ 70bi), aumento dos orçamentos da Saúde (R$ 23bi) e da Educação (R$ 11bi), reajustes de servidores (R$ 11bi) e elevação real do salário mínimo (R$ 7bi).
Em paralelo, manteve-se a autorização para elevação dos investimentos, por fora do Teto e em função de surpresas arrecadatórias, por até R$ 24bi em 2023. Note-se que tal elevação dos gastos tende a ser compensada pela utilização de valores não-sacados pelos trabalhadores nas contas de PIS/PASEP, cujo estoque estima-se em R$ 25bi. Não há limitação em função de outras regras fiscais, como a regra de ouro ou meta primária.
Dentre as principais mudanças ocorridas durante a tramitação, destacam-se três. Em primeiro lugar, o período de ajuste e exceção foi limitado a um ano – o que vale tanto para os gastos dentro do Teto como para aqueles fora das regras fiscais. Em segundo lugar, definiu-se a data limite de 31 de agosto de 2023 para a apresentação de um novo arcabouço fiscal de médio prazo, que já deve nortear o debate sobre o projeto de lei orçamentária (PLOA) de 2024. E, por fim, com o fim do “orçamento secreto” houve uma reorganização de R$ 19,4bi previstos para as emendas do relator em 2023, grosso modo dividindo o montante meio a meio – R$ 9bi em emendas individuais (e impositivas) dos legisladores, e R$ 10bi alocados pelo Executivo.
Houve comedida comemoração quanto ao desenho final da Emenda Constitucional, de fato reduzindo o tamanho da licença para gastar durante a tramitação congressual. É difícil argumentar, no entanto, que o resultado é positivo: com déficit primário na LOA 2023 elevado para R$ 231bi, parece claro que o aumento de gastos não será compensado, e que não há qualquer disposição para ajustes mais profundos no montante de despesas governamentais.
Há questões paralelas que merecem o devido cuidado, podendo implicar em pressões sobre o Erário que sejam estruturalmente (muito) mais elevadas – e que não estão diretamente ligadas à Emenda Constitucional. Na LOA 2023, por exemplo, a correção do Teto foi feita em 7,2%, sendo esta a estimativa de IPCA para 2023 quando da divulgação do projeto de lei orçamentária, em meados do ano. Sabe-se que o IPCA de 2023 ficará abaixo de 6,0%; somente o “ajuste extra” pode levar a uma autorização adicional de despesas da ordem de R$ 20bi, sendo parte dela já acomodada na elevação de pé-direito provida pela EC 126/2022. Há outras questões que ampliam os gastos a médio prazo, tais como a elevação do piso de remuneração da enfermagem, por fora do Teto (impacto estimado de R$ 15bi) e a retirada dos gastos sociais do Teto, estruturalmente, por decisão do STF (impacto de até R$ 150bi[2]).
É difícil avaliar os impactos finais de tais iniciativas, mas a direção parece clara. Com um afrouxamento de restrições e um alinhamento de forças para a discussão de uma nova regra fiscal que acomode a pressão por maiores gastos, fica difícil imaginar que será gerada alguma estratégia que contenha maiores dispêndios adiante. Voltamos, por caminhos tortos e sinuosos, ao nosso debate do início da PEC da Transição: os incentivos se alinham para uma postura fiscal bem menos responsável, colocando pressão sobre o comportamento dos indicadores fiscais (nos fluxos e nos estoques) e dificultando o trabalho do Banco Central na redução da inflação ao consumidor.
Enumerar as exceções ao Teto pouco importa, dado que a regra fiscal será substituída a partir de 2024. Continuamos, no entanto, sem saber como os novos gastos serão compensados, e sequer se isso ocorrerá. O resultado parece evidente, com incerteza galopante, enorme sensibilidade ao fluxo de notícias (ou rumores) fiscais e juros elevados por mais tempo. Seguimos na versão tupiniquim do “feitiço do tempo”[3]: não perdemos uma oportunidade de perder uma oportunidade.
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Este relatório foi produzido pela BRCG utilizando dados públicos compilados até 26 de dezembro de 2022 e possui caráter meramente informativo. O relatório é destinado a clientes e investidores institucionais, não podendo a BRCG e/ou os seus analistas serem responsabilizados por quaisquer perdas, diretas ou indiretas, derivadas de sua utilização. Este relatório não pode ser reproduzido, distribuído ou publicado por qualquer pessoa ou instituição, para quaisquer fins, sem a estrita autorização da BRCG.
[1] “Destaque BRCG | PEC da Transição: A conta está posta, e agora?”. Disponível em https://brcg.com.br/destaque-brcg/
[2] A decisão do STF pareceu ter como objetivo avalizar que a despesa incremental necessária para manter o Bolsa Família em R$ 600 fosse realizada por fora do Teto (R$ 70 bi). No entanto, o texto da decisão pode dar margem para interpretação ainda menos restritiva, permitindo a remoção completa da despesa com Bolsa Família do Teto (R$ 150 bi). Ainda não está claro qual interpretação prevalecerá. Por enquanto, o Bolsa Família será pago por dentro do Teto, mas ainda não se sabe os desdobramentos dessa decisão do Supremo.
[3] Referência ao clássico filme de 1993, “The Groundhog Day”, com Bill Murray e Andie MacDowell.