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Pré-COPOM (dez/24): Sob risco de perder o controle
Livio Ribeiro (livio.ribeiro@brcg.com.br)
10/12/2024
Bottom line: A melhor forma do Banco Central dirimir dúvidas a respeito da sua atuação é, efetivamente, agir. Esperamos que a autoridade monetária eleve a Selic em 100bps em sua reunião de dezembro, e que atinja uma Selic terminal 14,50%a.a. até meados de 2025.
Esperamos que o Banco Central eleve a taxa Selic em 100bps na sua reunião de dezembro. A autoridade monetária precisará acelerar o ritmo de elevação da taxa Selic em relação ao realizado em novembro, de forma a retomar parte do controle das expectativas – de inflação e dos juros futuros.
Desde a última reunião do COPOM, observamos mais uma rodada de deterioração do cenário. Houve piora adicional no binômio atividade-inflação, com o cenário prospectivo ficando mais delicado em função de eventos externos e domésticos. Aos preços atuais, a convergência inflacionária ficou ainda mais distante – o orçamento de juros precisa ser mais elevado e entregue de forma tempestiva.
Há múltiplos sinais de sobreaquecimento na economia, especialmente da absorção doméstica. O forte crescimento do PIB no 3º trimestre de 2024 reforça a visão de uma economia que opera além das suas possibilidades. Mesmo com importante expansão da oferta, a absorção doméstica seguiu crescendo em ritmo superior, puxada por consumo (público e privado) e por investimentos. Há enorme vazamento externo, típico de momentos de sobreaquecimento econômico, e que ocorre mesmo com correção da taxa de câmbio.
O mercado de trabalho superaquecido é uma fonte primária de pressão inflacionária. É forçoso reconhecer que mudanças estruturais e uma nova realidade do mercado de trabalho no pós-pandemia dificultam a avaliação do desemprego estrutural. Em dito isso, atingimos as taxas mais baixas de desemprego sob a PNAD Contínua (desde 2012) e o ritmo de crescimento da renda (seja da ocupação principal, seja a massa salarial ampliada) é incompatível com o da produtividade. A economia brasileira fica cara e perde competitividade.
O excesso de demanda também deriva de uma política fiscal excessivamente frouxa. Ainda que ajustes tenham sido feitos durante os últimos trimestres, a política fiscal segue como um ponto de enorme pressão. As recentes propostas de redução do ritmo das despesas públicas, ainda em tramitação legislativa, são insuficientes para promover a estabilidade estrutural das finanças públicas, ainda que possam oferecer uma pinguela até o final do atual governo.
Há uma sensação, pertinente, de descontrole no debate econômico. O anúncio conjunto de ajustes nas despesas e correção da tabela de isenção do imposto de renda passou, corretamente, a sensação de que o governo está sem rumo no desenho das políticas públicas, contrapondo as agendas técnica e política. Importante dizer que mesmo que a correção do IR seja fiscalmente neutra (por causa da Lei de Responsabilidade Fiscal), ela não será macroeconomicamente neutra, sendo pressão adicional para a majoração do consumo na economia em 2026, ano de eleição presidencial.
Há boas razões para acreditarmos em elevação adicional das estimativas oficiais de hiato do produto e de juro neutro. As condições correntes da economia são consistentes com uma defasagem dos valores previamente divulgados pela autoridade monetária, configurando uma política monetária menos restritiva do que pareceria em princípio. Não é certo que esses ajustes sejam feitos nas próximas comunicações do Banco Central, seja na decisão de política monetária (Comunicado / Ata), seja no Relatório Trimestral de Inflação de dezembro.
Com dúvidas crescentes e temores de descontrole, os preços de ativos sofreram muito desde a última reunião do COPOM. Especialmente após os desastrados anúncios fiscais, observamos depreciação da taxa de câmbio nominal (ultrapassando a barreira de R$ 6,00/US$) e forte majoração dos juros de mercado (com a estrutura a termo da taxa de juros apontando uma Selic de aproximadamente 15,50%a.a. até o final de 2025). Esses níveis de preços terão consequências sobre variáveis reais, como inflação e crescimento.
Como se não bastasse a confusão interna, o mundo também se mostra mais desafiador. Definida a eleição americana, as atenções se voltam para a transformação das promessas de campanha do presidente eleito, Donald Trump, em políticas de governo. Espera-se aumento de tarifas, redefinição da atuação americana no mundo e aumento da contraposição entre EUA e China – nisso incluindo uma postura chinesa mais ativa na defesa dos seus interesses. No mínimo, o cenário será mais incerto e volátil, com condições de contorno mais delicadas para os emergentes.
A inflação medida pelo IPCA tem piorado, e o regime será infringido em 2024. Os preços devem subir pouco mais de 5,0% neste ano, com evidências crescentes de espalhamento da inflação para além dos choques negativos em energia, alimentos e taxa de câmbio, que deram o tom da reinflação inicial. Foco, em específico, nos tradables (com cenário prospectivo delicado, devido à depreciação comercial e à fragmentação comercial) e nos serviços (com efeitos secundários dos maiores preços de alimentos, em cenário de mercado de trabalho apertado[1] e indexadores elevados[2]).
As expectativas de inflação estão subindo rapidamente, sugerindo infração do regime de metas também em 2025. Houve sensível deterioração do cenário desde o último COPOM, seja nas expectativas medidas pela pesquisa FOCUS, seja na inflação implícita medida a mercado. Em nossa visão, a deterioração reflete não somente a piora do cenário corrente, mas as crescentes dúvidas sobre a atuação da autoridade monetária. As expectativas de inflação para prazos mais longos, como 2026 e 2027, também se afastam da meta de 3,0%.
As projeções condicionais do Banco Central devem subir novamente, afastando a inflação da meta no horizonte relevante. No cenário de referência[3] (com Selic subindo para 12,00%a.a. em dezembro de 2024, atingindo um pico de 13,75%a.a. em maio de 2025 e terminando o ano que vem em 13,50%a.a.), esperamos que a projeção de IPCA no modelo do Banco Central suba para +3,9% no 2º trimestre de 2026 – mesmo com uma sensível elevação dos juros utilizados[4], a projeção condicional subirá 30bps frente ao último COPOM.
Será necessário ir além do esperado pelo mercado (de novo). A Selic terminal precisará ser maior do que a sinalizada no cenário de referência, e, mais ainda, entregue de forma mais tempestiva: o prazo para o aumento da restrição monetária importa, sob risco de se perder totalmente o controle do processo de convergência inflacionária, o que teria consequências nefastas sobre as expectativas de inflação e o equilíbrio macroeconômico.
Reconhecendo uma piora generalizada do cenário, esperamos que o Banco Central eleve a Selic em 100bps na reunião de dezembro. Essa visão não é a hegemônica dentre os economistas, ainda que seja a expressa na estrutura a termo da taxa de juros. Entendemos que uma elevação por “somente” 75bps terá efeitos negativos sobre o cenário prospectivo, reforçando os temores de que o Banco Central será, de alguma reforma, restrito na persecução do seu objetivo estatutário.
Esperamos que a taxa Selic atinja um pico de 14,50%a.a. até meados de 2025. Em nossa visão, esse orçamento de juros será suficiente para evitar uma infração do regime de metas, ou seja, conseguirá manter a inflação projetada no horizonte relevante sempre inferior a +4,5%. A margem de manobra será estreita, mantendo a política monetária sob intensa pressão durante os próximos trimestres.
É uma falácia dizer que o Banco Central é passageiro na condução da política monetária. Muitos têm defendido que o Banco Central se encontra em posição passiva na busca dos seus objetivos, com atuação condicionada pela política fiscal. É fato que há uma multiplicidade de fatores que vão além do controle da autoridade monetária, mas isso não é justificativa para que ela deixe de buscar, ativamente, o seu mandato.
A melhor forma do Banco Central dirimir dúvidas a respeito da sua atuação é, efetivamente, agir. Uma postura proativa da autoridade monetária ajudará a dissipar parte das incertezas prospectivas, dando um mínimo de previsibilidade aos agentes. O momento é delicado, demandando atuação diligente e precisa; não há mais espaço para erros.
DISCLAIMER
Este relatório foi produzido pela BRCG utilizando dados públicos compilados até 10 de dezembro de 2024 e possui caráter meramente informativo. O relatório é destinado a clientes e investidores institucionais, não podendo a BRCG e/ou os seus analistas serem responsabilizados por quaisquer perdas, diretas ou indiretas, derivadas de sua utilização. Este relatório não pode ser reproduzido, distribuído ou publicado por qualquer pessoa ou instituição, para quaisquer fins, sem a estrita autorização da BRCG.
[1] Pressionando os serviços intensivos em mão-de-obra (SIMO).
[2] Como, por exemplo, o IGP-M, que pressionará os aluguéis residenciais.
[3] Tomado a partir da Pesquisa FOCUS de 06 de dezembro de 2024.
[4] No COPOM de novembro de 2024, a Selic terminal de 2024 era de 11,75%a.a., atingia um pico de 12,50%a.a. no decorrer de 2025 e encerrava o ano que vem em 11,50%a.a.