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Prévia do Copom (jun/22): A política monetária e a “Caixa de Pandora”

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Prévia do Copom (jun/22): A política monetária e a “Caixa de Pandora”

Livio Ribeiro (livio.ribeiro@brcg.com.br)

14/06/2022

Bottom line: As recentes iniciativas “não-monetárias” para o controle da inflação são uma abertura da “Caixa de Pandora”, tornando o cumprimento da meta de inflação em 2023 uma tarefa inexequível. Esperamos que o Copom eleve os juros em 50bps na reunião de junho, ressuscitando a assimetria altista derivada dos riscos fiscais e deixando claro que o ciclo de ajuste monetário continuará. Seria importante que a Selic subisse 75bps e que o horizonte de convergência fosse alongado, com realismo, para 2024, mas consideramos que ambos os movimentos são pouco prováveis.

Nesta semana, o comitê de política monetária do Banco Central (Copom) se reúne novamente para deliberar sobre um ajuste na taxa básica de juros, bem como para sinalizar quais serão os seus próximos passos. Em sua última reunião, o Comitê deixou claro que haveria um ajuste adicional em junho, em velocidade inferior à observada em maio – quando a taxa básica foi elevada em 100bps. Desse ponto em diante, a sinalização não dava pistas de qual seria o caminho, ainda que, implicitamente, defendesse que o ajuste monetário já estaria perto da sua conclusão: as inúmeras menções aos efeitos defasados do ajuste já implementado, a sinalização de cautela devido ao estágio avançado do ciclo e a definição de um balanço de risco mais simétrico construíam a narrativa de um Banco Central prestes a parar de subir a taxa Selic.

Note-se que, de acordo com as projeções oficiais, uma Selic de 13,25%a.a. em 2022 (ou seja, uma elevação terminal de 50bps na reunião de junho) já não seria suficiente para garantir o cumprimento da meta no ano que vem, com projeção de IPCA de 3,4%. Mas, mesmo que sem o cumprimento da meta, haveria clara convergência à meta de 2023 (3,25%) e recuo importante da inflação em relação ao observado em 2022 – atendendo, portanto, à restrição mais suave (auto)imposta pela autoridade monetária ao final do ano passado[1].

Parecia-nos claro que o Banco Central se daria por satisfeito com o ciclo já implementado, com os juros em terreno restritivo fazendo o trabalho de convergência. Não temos quaisquer reparos sobre a constatação de que restrição monetária promove o ajuste da inflação à meta, mas sempre expressamos dúvidas quanto à velocidade de convergência implícita nos modelos oficiais. Entendemos que o Banco Central vê a política monetária como excessivamente potente, com convergência muito rápida à meta. Tal fato é corroborado, a posteriori, pela recorrente subestimação da inflação de preços livres nos modelos oficiais.

Neste sentido, das duas uma: ou a taxa de juros seria mais elevada do que a sinalizada nos modelos oficiais (seja a Selic terminal ou o juro médio do horizonte relevante), ou a convergência já estaria sendo (implicitamente) alongada para além de 2023. De acordo com nossos modelos, rodados com as informações disponíveis até o final de maio, seria necessária uma taxa Selic de 14,75%a.a., atingida até a reunião de agosto e mantida até o fim de 2023, para se ter alguma chance de cumprimento da meta do ano que vem. Parecia ser um cenário praticamente impossível, de forma que, naturalmente, entendíamos que o Banco Central já estava promovendo uma migração do seu foco para um horizonte mais longo[2].

Assim sendo, a Selic terminal não iria muito longe do patamar atual, mas seria necessário mantê-la em nível elevado por mais tempo. Nosso cenário, até algumas semanas atrás, era de Selic terminal a 13,25%a.a., com uma elevação final de 50bps nesta reunião de junho, e a manutenção dos juros neste patamar durante todo 2023. As metas de 2022 e 2023 estariam perdidas, com projeções de IPCA de +9,5% e +4,6%, mas com um juro médio elevado e por tempo prolongado, seria possível cumprir a meta em 2024.

Nosso call, claramente não-consensual, vinha acompanhado de uma ressalva importante. Uma inflação tão elevada, especialmente no curto prazo, aumentava sobremaneira a probabilidade da utilização de “iniciativas não-monetárias” para o controle dos preços. Isso seria tão mais verdadeiro quanto mais próximo das eleições presidenciais de outubro de 2022, e tão mais intenso quanto maior fosse o risco à reeleição do presidente Bolsonaro.

Desnecessário dizer que tais iniciativas estariam concentradas nos preços administrados (fora tabelamento de preços ou controle cambial, não há muito o que fazer, no curto prazo, para controlar os preços livres) e que, provavelmente, estariam acompanhadas de custos fiscais relevantes. Mais ainda, uma descompressão artificial da inflação no curto prazo provavelmente estaria associada a uma piora na percepção de risco, afetando os preços de ativos (como a taxa de câmbio) e, tudo mais constante, gerando pressão altista na inflação a prazos mais longos. Como, aliás, o próprio Banco Central destacou, reiteradas vezes, em sua comunicação oficial.

Durante as últimas semanas, têm emergido inúmeras iniciativas, de natureza não-monetária, que possuem o único objetivo de reduzir a inflação no curto prazo – e por curto prazo entenda-se até dezembro de 2022, o que não pode ser dissociado da eleição que se avizinha. Tais iniciativas possuem uma narrativa de fundo comum: surpresas arrecadatórias, vistas como permanentes, abririam espaço para desonerações e isenções tributárias, reduzindo o peso de impostos sobre alguns bens e, especialmente, sobre itens cujos preços são administrados. Como a surpresa não estaria totalmente concentrada no governo central, os entes subnacionais (estados e municípios) seriam chamados a dar a sua “parcela de contribuição”.

Há enorme incerteza quanto ao alcance destas iniciativas, até porque o seu processo de aprovação congressual segue em curso. Isto posto, há quatro grandes discussões: (i) imposição de um teto de 17% às alíquotas de ICMS incidentes sobre combustíveis, energia elétrica, telecomunicações e transportes públicos; (ii) isenção da incidência de PIS/COFINS e CIDE sobre gasolina e biocombustíveis; (iii) mudança da base de incidência do ICMS sobre energia elétrica, dela retirando PIS/COFINS; e (iv) isenção do ICMS cobrado sobre diesel e gás de cozinha.

Note-se que as matérias relativas ao ICMS envolvem a tributação praticada pelos entes subnacionais, e, não por acaso, são propostos esquemas de compensação (integral ou parcial) a serem pagos pelo governo central, mesmo que não se tenha clara ideia da origem dos recursos[3]. Mais ainda, a imensa parte das propostas está circunscrita a este ano-calendário. Com exceção da mudança da base de incidência do ICMS sobre energia elétrica, todas as medidas possuem custo fiscal – estimado em aproximadamente R$ 85bi até o fim de 2022. Dali em diante, o problema recai sobre o próximo presidente, quem quer que seja: ou se reestabelece a tributação, com custos inflacionários importantes, ou se pereniza a renúncia tributária, com implicações fiscais espalhadas pela União.

Em termos de impacto inflacionário, é difícil estabelecer uma estimativa precisa, por duas razões. Em primeiro lugar, a redação final pode ser diferente das propostas encaminhadas à apreciação legislativa, com mudanças no escopo, na estrutura de compensação e nos prazos decorridos. Em segundo lugar, a maior parte das isenções propostas é de “meio de cadeia”, restando grande incerteza quanto ao valor que efetivamente chegará aos consumidores finais. Tal tema é particularmente relevante no caso dos combustíveis: são necessárias hipóteses e calibrações para traduzir os efeitos “na refinaria” ao que será praticado nas bombas de gasolina, diesel e etanol.

Caso todas as medidas tenham repasse pleno aos consumidores, seria possível reduzir o IPCA de 2022 em aproximadamente 300bps. Não é razoável que isto ocorra, com parte da desoneração sendo capturada como excedente das estruturas de comercialização e distribuição. Nossas estimativas indicam um impacto de aproximadamente 215bps aos consumidores finais, o que seria parcialmente compensado por uma depreciação adicional da taxa de câmbio, em ambiente de renovada incerteza. Trabalhamos com um impacto agregado de 200bps, reduzindo, portanto, a nossa estimativa de IPCA em 2022 de +9,5% para +7,5%.

Parte relevante das medidas possui caráter temporário, e trabalhamos com a hipótese de recomposição das alíquotas em 2023. Há efeitos dinâmicos positivos derivados de uma indexação à inflação mais baixa deste ano, e admitimos que a recomposição tributária não será integral, o que pode ter efeitos sobre a percepção de risco e, logo, sobre o comportamento da taxa de câmbio. Com isso, e destacando a elevada incerteza intrínseca ao nosso cenário, majoramos a projeção do IPCA de 2023 em 160bps, passando-a de +4,6% a +6,2%.

Em resumo, são iniciativas caras, com caráter temporário, efeito incerto, e que só entregam, no melhor cenário, uma redução circunstancial da inflação na economia. Está aberta a Caixa de Pandora, e o que sai dela bagunça completamente o debate inflacionário e econômico (pelo menos) do biênio 2022-2023. Como a autoridade monetária moldará a sua atuação a este novo cenário?

Há dois comentários que julgamos pertinentes. Em primeiro lugar, parece-nos praticamente impossível que o Banco Central não volte a discorrer sobre a assimetria altista, para a inflação de médio prazo, derivada dos riscos fiscais. Objetivamente, porque as iniciativas propostas diminuem a inflação no curto prazo e a aumentam no médio prazo. E, talvez mais relevante, porque uma vez aberta a Caixa de Pandora, é difícil convencer os agentes de que ela foi fechada: o risco fiscal da economia brasileira aumentou, e a autoridade monetária terá que lidar com isso.

Em segundo lugar, resulta claro que o efeito prático das medidas é complicar a atuação do Banco Central no seu horizonte (hoje) relevante, ou seja, em 2023. Se nossas estimativas estiverem corretas, não somente a meta estará perdida, mas será necessário escrever nova “carta de explicações” à sociedade – o que, por sinal, ocorreria pelo terceiro ano consecutivo. Ao ficar tanto tempo sem cumprir as metas estabelecidas pelo CMN, o Banco Central corre o risco de cimentar uma dinâmica inflacionária mais perversa, afastando-o, ainda mais, do objetivo seminal de controle dos preços da economia.

Todo o exposto acima sugere que o orçamento total de juros necessário para controlar a inflação seja maximizado, e que, realisticamente, o horizonte de cumprimento da meta precise ser estendido (de novo). Em nossos modelos, hoje seria necessária uma Selic terminal de 15,50%a.a., a ser atingida na reunião de outubro de 2022 e mantida até o fim de 2023, para garantir o cumprimento da meta de inflação de 2024; a inflação estimada para 2023 seria de 5,80%. Teríamos três elevações consecutivas de 75bps, começando pela reunião de amanhã, seguida de movimento final de 50bps no início do 4º trimestre – e, portanto, nas vésperas da eleição presidencial. Consideramos que a chance disso ocorrer é ínfima.

Isso posto, estimamos o nosso modelo com a atual precificação de mercado para os juros em 2022, que hoje sugere movimentos de 50bps (junho), 50bps (agosto) e 25bps (setembro) na taxa básica, levando a Selic terminal a 14,00%a.a. Por entendermos que o cenário exigirá juros mais elevados por muito mais tempo do que o mercado imagina, não incluiremos os cortes de juros de aproximadamente 125bps implícitos para o ano que vem – cortes em 2023 já nos pareciam fora de propósito[4], e, agora que o IPCA de 2023 foi majorado, ficam ainda mais improváveis. Com Selic a 14,00%a.a. até o final de 2023, a inflação de 2024 ficaria em 3,50% – sem cumprimento da meta, ainda que respeitando o conceito de convergência. A inflação de 2023 ficaria em 6,0%, bastante longe da meta estabelecida pelo CMN.

Os exercícios acima deixam claro que a manutenção de um foco operacional em 2023 pode se mostrar, neste momento, contraproducente: aberta a Caixa de Pandora, a meta do ano que vem se tornou inexequível. Esperamos que o Copom eleve os juros em 50bps na reunião de junho, seguindo a precificação de mercado, mas ressuscitando a assimetria altista derivada dos riscos fiscais e deixando claro que o ciclo de ajuste monetário precisará ser majorado, com passos futuros a serem calibrados de acordo com a evolução do cenário.

Seria importante que o Banco Central emitisse um sinal mais duro, elevando a Selic em 75bps nesta reunião, mas consideramos que isso é pouco provável. Mais ainda, enxergaríamos com bons olhos um alongamento do horizonte de convergência para 2024, o que seria mais crível, dadas as informações atuais, do que a busca da meta de 2023. Também temos baixa convicção de que o Banco Central fará esse movimento.

DISCLAIMER

Este relatório foi produzido pela BRCG utilizando dados públicos compilados até 14 de junho de 2022 e possui caráter meramente informativo. O relatório é destinado a clientes e investidores institucionais, não podendo a BRCG e/ou os seus analistas serem responsabilizados por quaisquer perdas, diretas ou indiretas, derivadas de sua utilização. Este relatório não pode ser reproduzido, distribuído ou publicado por qualquer pessoa ou instituição, para quaisquer fins, sem a estrita autorização da BRCG.

[1] Temos destacado esta mudança de sinalização desde o final do ano passado. Mais comentários no Destaque BRCG “Copom: Uma visão contrária sobre o comunicado de dezembro”. Disponível em https://brcg.com.br/destaque-brcg/

[2] Nossa visão foi originalmente exposta no Destaque BRCG “Prévia do Copom (mai/22): Alongando o horizonte (de novo)”. Disponível em https://brcg.com.br/destaque-brcg/  

[3] Uma discussão mais extensa pode ser vista no BRCG Responde “Começaram as canetadas. Bateu o pânico no governo?”. Disponível em https://www.youtube.com/channel/UCtCc6aBFfr6IGC_-l1lXMkQ  

[4] Como amplamente discutido no Destaque BRCG “A política monetária de dedos cruzados”. Disponível em https://brcg.com.br/destaque-brcg/