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Implodindo a pinguela fiscal: A queda da MP 1303/2025

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Implodindo a pinguela fiscal: A queda da MP 1303/2025

Matheus Rosa Ribeiro (matheus.ribeiro@brcg.com.br)

Livio Ribeiro (livio.ribeiro@brcg.com.br)

10/10/2025

Bottom line: A derrota do governo na MP 1303/2025 vem em momento delicado, aumentando os desafios ao cumprimento da meta fiscal de 2026. Sem medidas compensatórias, que precisam ser implementadas rapidamente, a pinguela fiscal que nos leva até 2026 vai ruir.

A MP 1303/2025 não foi aprovada. Na segunda reavaliação do orçamento de 2025, o governo constatou falta de recursos e passou a prever elevação do IOF para atingir a meta de primário. Sob desaprovação do Congresso e de setores da sociedade, a elevação de carga foi parcialmente revertida. Como compensação, foi apresentada a MP 1303/2025, que gerava um aumento da arrecadação. A Medida Provisória foi retirada de pauta e o texto “caducou”.

Desde sempre, a MP 1303/2025 impactava muito mais o orçamento de 2026 do que o orçamento de 2025. Estimava-se R$10,5 bi de receitas em 2025 e R$20,9 bi em 2026 (tabela 1). Além disso, a MP também previa mudanças administrativas em benefícios assistenciais, com potencial para a redução das despesas[1]. Outro dispositivo importante incluía o programa Pé-de-Meia entre os gastos orçamentários contabilizados para o dispêndio mínimo em Educação, aumentando, assim, o espaço para gastos com custeio dentro do Orçamento.

Tabela 1: Impacto arrecadatório da MP 1303/2025

Fonte: Consultoria de Orçamento e Fiscalização da Câmara (CONORF). Elaboração: BRCG

Para entender o impacto da derrubada da MP, é importante apresentar o pano de fundo do debate fiscal – tanto para 2025 como para 2026. O buraco no Orçamento, a pressão do lado das despesas e a possibilidade de endurecimento das regras fiscais tornam a não aprovação da MP 1303/2025 especialmente delicada, ressuscitando o risco de batermos em um “muro fiscal” – tema, por sinal, que a BRCG tem destacado recorrentemente nos últimos meses[2].

Há otimismo excessivo na proposta orçamentária para 2026. O Projeto de Lei Orçamentária Anual (PLOA 2026) tem projeção de receita líquida R$78,0 bi superior à mediana do mercado (Prisma Fiscal, set/25). Por trás dessa diferença, estão fatores como premissas otimistas para a atividade econômica; estimativas elevadas de receitas com resolução de contencioso tributário e medidas sequer aprovadas, como a própria MP 1303/2025 e o projeto de redução de benefícios tributários (PLP 182/2025). Do lado das despesas, há, novamente, indícios de subestimação dos gastos com benefícios, tais como auxílio-doença, seguro-defeso e RGPS. Nos últimos anos, sucessivas revisões desses gastos, ao longo dos exercícios financeiros, foram fator importante para a pressão sobre os orçamentos anuais.

Não há espaço para contingenciamentos elevados na despesa discricionária. Em Destaque BRCG publicado em jun/25[3], destacamos, a partir de dados do Projeto de Lei de Diretrizes Orçamentárias (PLDO 2026), que o Orçamento de 2026 largava muito próximo de referenciais mínimos para gastos que evitassem uma paralisação da máquina pública (shutdown). A faixa de estimativas variava entre uma insuficiência de R$2,0 bi em relação aos gastos mínimos e uma sobra de recursos de R$17,0 bi. A aprovação da Emenda Constitucional 136/2025 (Precatórios) aumentou, em R$13,0 bi, o espaço para gastos em 2026, dando algum fôlego à execução mínima. A margem de manobra permanece contida, e deve-se ter em mente que pode haver grandes mudanças entre a despesa prevista no PLDO e aquela que efetivamente constará na Lei Orçamentária Anual (LOA) de 2026. Nesse sentido, o shutdown do Estado sempre esteve à espreita, mesmo que o tema tenha perdido força no debate público após a manobra de contabilização dos Precatórios da EC 136/2025[4].

Em paralelo, há um embate entre o TCU e o Executivo sobre a persecução da meta primária dentro do Arcabouço Fiscal vigente. Acórdão recente do TCU (2208/2025) aponta que o Executivo precisa perseguir o centro da meta de primário, e não apenas o limite inferior da banda de tolerância, tal como entendimento prévio. Isso muda as diretrizes de contingenciamento das despesas (antes, feito somente até o piso da banda de resultado primário), e, tudo mais constante, amplia o esforço fiscal necessário em 0,25p.p. do PIB. Ainda não há consenso sobre qual diretriz prevalecerá (a nova ou a anterior), adicionando novas camadas de incertezas sobre a execução fiscal – tema que também tem sido apontado pela BRCG nos últimos meses[5].

Sem a MP 1303/2025 e sob esse pano de fundo, a corrida contra o tempo para a definição do Orçamento de 2026 se torna dramática. Antes mesmo da MP 1303/2025 caducar, o Executivo precisa, segundo nossas estimativas, fechar um buraco no Orçamento da ordem de 0,5-0,6% do PIB[6]. Sem a Medida Provisória, outros 0,2% do PIB em receita bruta ficam pelo caminho, traduzindo-se em 0,1% do PIB em receita líquida. Para angariar esses recursos, o Executivo precisa ser célere, mas enfrenta restrições – não somente porque o ambiente político é desfavorável a agendas de majoração de receitas (especialmente as tributárias), como porque, na maioria dos casos, exigir-se-ia anterioridade (de exercício fiscal ou noventena). O tempo é hoje, não existe amanhã para a agenda de receitas.

A pressão sobre as despesas também aumenta, e isso não está ganhando a devida atenção no debate público. A MP 1303/2025 continha medidas que aumentavam o espaço para os gastos livres no Orçamento, necessários para conciliar o custeio mínimo da máquina pública e o limite de despesas do Novo Arcabouço Fiscal. Sem a medida, não só esse espaço fica mais contido, como a chance de ser necessário contingenciar despesas discricionárias nas revisões bimestrais para cumprir a regra de primário aumenta consideravelmente. Caso a visão do TCU sobre a persecução da meta pontual de primário prevaleça, a situação seria ainda mais grave. O risco de shutdown em 2026, que permanecia dormente, despertou.

Com a informação hoje disponível, a viabilidade do Orçamento de 2026 deve ser discutida com mais atenção. A agenda de receitas caminha lentamente e o próprio governo reconhece a politização do debate, faltando um ano para as eleições presidenciais[7]. Nos últimos anos, o Executivo fez uso recorrente de receitas não-recorrentes, que muitas vezes não constavam no Orçamento, para cumprir os seus objetivos fiscais (como, por exemplo, a antecipação dos dividendos de estatais em 2024). O Estado brasileiro é uma cartola da qual saem muitos coelhos, mas, para o Orçamento de 2026, quanto mais o tempo passa, maior precisa ser a “surpresa da vez”.

A pinguela fiscal até 2026 está sob ameaça. Abre-se um debate, um tanto açodado, sobre medidas substitutivas à MP 1303/2025, nisso incluindo a aceleração de outras discussões, como a revisão de benefícios tributários, que estavam em segundo plano. O espaço de manobra é exíguo e, portanto, eventuais mudanças na legislação precisam passar com mínima desidratação. A pinguela fiscal até 2026 é bastante frágil, aumentando as chances de soluções indesejáveis, seja um afrouxamento das metas fiscais (como ocorrido em 2024), uma manobra tributária (como, por exemplo, elevação de carga de imposto regulatório, para fins arrecadatórios, como ocorrido em 2025) ou, no limite, uma nova flexibilização das instituições fiscais (como a manobra dos Precatórios, ocorrida também em 2025).

[1] Segundo o ministro Haddad, projeção mais recente do governo indica economia de despesas de R$15bi em 2 anos com a MP 1303/2025. Ver: https://www.jota.info/tributos/apos-derrota-no-congresso-haddad-diz-que-vai-apresentar-a-lula-alternativas-a-mp-1303

[2] Para mais informações, ver Destaque BRCG | O muro fiscal chegou (jun/25) e Destaque BRCG | PEC 66/23: Contornando o muro fiscal (de novo) (ago/25). Disponíveis em https://brcg.com.br/destaque-brcg/

[3] Ver https://brcg.com.br/18796-2/

[4] Ver https://brcg.com.br/pec-66-23-contornando-o-muro-fiscal-de-novo/

[5] Destaque BRCG | A ambiguidade fiscal brasileira (set/25). Disponível em https://brcg.com.br/destaque-brcg/

[6] Para fins de referência, a estimativa da IFI é de déficit de 1,0%PIB em 2026. Descontando os R$57,8bi (0,43%PIB) de despesas não sujeitas à meta (PLOA 2026), chega-se a déficit de 0,57%PIB, contra um piso da meta de 0,0%PIB. Estimativa interna da BRCG aponta para a necessidade de esforço fiscal em relação ao piso da meta de 0,5%PIB, antes da revogação da MP 1303/2025.

[7] Ver https://www1.folha.uol.com.br/mercado/2025/10/governo-lula-admite-derrota-na-mp-de-impostos-adota-discurso-contra-congresso-e-culpa-tarcisio.shtml

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Este relatório foi produzido pela BRCG utilizando dados públicos compilados até 10 de outubro de 2025 e possui caráter meramente informativo. O relatório é destinado a clientes e investidores institucionais, não podendo a BRCG e/ou os seus analistas serem responsabilizados por quaisquer perdas, diretas ou indiretas, derivadas de sua utilização. Este relatório não pode ser reproduzido, distribuído ou publicado por qualquer pessoa ou instituição, para quaisquer fins, sem a estrita autorização da BRCG.