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Cenário 2024 | Passado e futuro: Temperatura em elevação

DESTAQUE BRCG | Cenário 2024

Passado e futuro: Temperatura em elevação

Livio Ribeiro (livio.ribeiro@brcg.com.br)

24/01/2024

INTRODUÇÃO: TEMPERATURA EM ELEVAÇÃO

Estamos passando por um grande período de transição. O mundo ainda busca um novo equilíbrio no pós-pandemia, com uma reformatação das políticas públicas, das preferências dos agentes econômicos e das formas de interação entre governo e sociedade. Não se sabe ao certo quais serão as novas diretrizes dos agentes públicos, mas resulta claro que é um mundo mais volátil, menos cooperativo e mais gastador do que no passado.

A geopolítica voltou a ser uma questão, com choques em múltiplas frentes. A mudança no cenário geopolítico é, de fato, anterior à pandemia. A guerra comercial entre Estados Unidos e China marcou uma nova fase na relação entre as grandes potências globais, de menor cooperação e contraposição mais aberta na busca por seus interesses estratégicos. Nesse mundo não-cooperativo, abriram-se novas frentes de batalha no Leste Europeu (invasão da Ucrânia pela Rússia), na Ásia (a questão entre China e Taiwan) e no Oriente Médio (Israel vs. Hamas, houthis iemenitas e ampliação da projeção de poder iraniana na região). A percepção de risco geopolítico é crescente, com possibilidade de ruptura e escalada bélica, gerando maior incerteza futura e impactos nos preços de ativos.

Eventos climáticos extremos já são uma realidade, com implicações econômicas e sociais. Os últimos anos têm sido marcados por relevantes oscilações climáticas, com rápidas reversões entre La Niña e El Niño – ambos intensos para padrões históricos – e aumento da temperatura média global. Se as questões climáticas pareciam, há um par de anos, exagero de alguns, agora fica cada vez mais inegável que seus impactos já são uma realidade. Há uma crescente preocupação com os impactos econômicos e sociais das mudanças climáticas, que passaram a ser incorporadas à função de reação dos agentes públicos. Por excelência, o clima é imprevisível; a sucessão de choques aumenta a volatilidade do cenário e a incerteza inerente à gestão pública.

O mundo que emergiu da pandemia é mais permissível em matéria fiscal. Com a necessidade de dar apoio excepcional a famílias e empresas, houve relevante expansão fiscal quando da eclosão da pandemia. Os níveis de dispêndio implementados não se mantiveram no mundo pós-pandêmico, mas tampouco se voltou à realidade fiscal pré-pandêmica. As questões geopolíticas, a agenda de transição energética, a reformatação das cadeias produtivas globais e a maior necessidade (ou desejo) de transferir renda aos setores menos favorecidos da sociedade implicaram em um nível de dispêndio mais elevado. Com isso, o endividamento global aumentou, e agendas de ajuste fiscal tornaram-se cada vez mais raras – tanto no mundo desenvolvido como no mundo emergente.

Depois de anos em patamar elevado, a inflação global, enfim, começou a ceder durante 2023. Uma sucessão de choques – primeiro em alimentos e combustíveis, depois em bens e, por último, em serviços – e os efeitos defasados da flexibilização monetária durante a pandemia jogaram a inflação ao consumidor nas alturas no biênio 2021-2022. Com maior persistência e com risco de contaminação das expectativas inflacionárias, a política monetária global reverteu ao modo contracionista ainda em 2022, mantendo essa postura por grande parte de 2023. Na segunda metade do ano passado, no entanto, começaram a emergir sinais mais consistentes de redução da inflação ao consumidor, levando a novos ajustes da instância monetária.

O debate sobre redução dos juros referenciais ganhou força em 2023, e será uma realidade em 2024. É seguro dizer que os juros globais cairão neste ano, tanto nas economias desenvolvidas quanto nas emergentes (que parecem estar mais adiantadas no ciclo monetária, já tendo iniciado as suas flexibilizações entre 2022 e 2023). Resta entender quais serão os limites dessa redução de juros, tendo que equilibrar uma convergência inflacionária incompleta, aumento das pressões derivadas de expansão fiscal e múltiplas incertezas prospectivas.

Com queda dos juros e múltiplas incertezas, a temperatura do debate econômico global está em elevação. Há grandes contestações a respeito da estratégia escolhida pelos grandes bancos centrais, por vezes acusados de permissividade com a inflação, por vezes acusados de indiferença com o comportamento do setor real e com a matriz de riscos que enfrentam. Toda reversão de ciclo monetário é um momento delicado, e, dada a conjuntura atual, isso deve ser particularmente verdadeiro neste ano.

EUA: INCERTEZA, VOLATILIDADE E QUEDA DOS JUROS

Como foi 2023: Um ano complicado na política monetária americana

FOMC passou o ano com severos problemas de comunicação. Desde o início do ciclo de aperto monetário, ainda em 2021, a comunicação do FOMC com o mercado foi bastante truncada, atrapalhando, sobremaneira, a adequada formação da estrutura a termo. Durante quase todo o ciclo de aperto monetário, o mercado duvidou das intenções da autoridade monetária, ou não entendeu as sinalizações feitas pelo FOMC. Fatores externos atrapalharam, mas o FOMC teve a sua parcela de culpa nessa falta de compreensão do mercado.

Sempre ressaltamos que só haveria espaço para cortes de juros em 2024[1] – o que acabou se confirmando. As taxas de juros atingiram a faixa 5,25% – 5,50%a.a. na reunião de julho, e, apesar da opção por uma elevação adicional, ao final do ano, ter sido mantida quase até o final de 2023, resultou claro, já no 3º trimestre, que ela não ocorreria. Quanto mais próximo do pico, a estrutura a termo apontou cortes de juros em velocidade muito mais rápida do que seria razoável, inclusive ainda em 2023. Tal precificação nunca fez sentido, e os cortes de juros ficaram para 2024.

Uma parte pequena desses problemas de comunicação foi derivada de fatores exógenos. O ano foi marcado por choques relevantes, com uma breve crise financeira no 1º semestre (eventos de crédito no SVB e no First Republic Bank, intrinsecamente associadas à gestão ineficiente nestas instituições), downgrade da dívida soberana americana (no 3º trimestre), múltiplas incertezas na evolução das variáveis fiscais americanas, nisso incluindo o cronograma de emissões do Tesouro americano, e um cenário externo conturbado. Todos esses fatores conspiraram para uma grande volatilidade da estrutura a termo, não só nos Estados Unidos, como também em todo o mundo.

A maior parte das questões, no entanto, derivou da própria condução da política monetária. É inegável que o comportamento da atividade e do mercado de trabalho foi mais forte do que o inicialmente esperado em 2023, com expansão do PIB ao redor de 2,5% e desemprego encerrando o ano em 3,7%. Combinados a uma inflação em trajetória inconsistente com o cumprimento da meta no horizonte relevante, criou-se um cenário de repetidas contestações à atuação do FOMC. O mercado se mostrou altamente sensível a narrativas de curto prazo, a movimentos nos dados de alta frequência e a temores de uma desaceleração mais rápida da atividade, operando, não raro, em resposta a ruídos. Grande parte dessa hipersensibilidade derivou da frágil comunicação da autoridade monetária, muitas vezes vacilante e errática.

Durante todo esse processo, o FOMC teve postura muito mais passiva do que ativa na condução da precificação dos juros. Os grandes choques nas taxas de juros longas resumem bem as dificuldades de condução da política monetária. Partindo de um patamar de 3,50%a.a. em janeiro, as taxas de juros de 10 anos atingiram 5,00%a.a. no final de outubro – com crescimento de 100bps somente a partir de agosto. Múltiplas narrativas foram criadas para explicar esse fenômeno, passando por má condução da política monetária, piora estrutural da posição fiscal, explosão da aversão a risco e questões técnicas no mercado de títulos públicos que estariam levando a um excesso de oferta nos vértices mais longos da estrutura a termo. Da mesma forma que vieram, essas narrativas sumiram com a forte queda dos juros longos entre novembro e dezembro, encerrando o ano pouco abaixo de 3,90%a.a..

Ao final do ano, ocorreu uma forte mudança de tom na comunicação do FOMC – e o mercado ainda tenta digerir isso. De forma absolutamente inesperada, e, em nossa visão, inconsistente com a evolução do cenário, o FOMC (comitê de política monetária) promoveu uma grande mudança na sua comunicação prospectiva ao final do ano passado. Os juros médios esperados para o biênio 2024-2025 foram reduzidos, mesmo com a inflação projetada atingindo a meta somente em 2026, e foi ressaltado o risco, para a atividade, de se manter juros elevados por período excessivo. Mais ainda, o presidente do FOMC, Jerome Powell, destacou que os juros começarão a cair muito antes da inflação atingir a meta, reconhecendo, também, que o timing desses cortes já estaria em discussão. O mercado entendeu, corretamente, que os juros americanos começarão a cair já no 1º semestre de 2024 (e, potencialmente, ao final do 1º trimestre do ano), mas resta observar, nos dados, razões para uma mudança tão brusca de avaliação.

O que esperamos de 2024: Redução dos juros, com múltiplos ruídos na comunicação e no cenário

Há sinais de redução do crescimento e da inflação, mas nada que corrobore a drástica mudança de visão do FOMC ocorrida em dezembro de 2023. A direção do cenário parece clara, com evidências de redução do crescimento no início do ano e progressiva, mesmo que relativamente lenta, diminuição da inflação ao consumidor. A velocidade de ajuste, no entanto, parece inconsistente com nova sinalização do FOMC, especialmente se observarmos o comportamento dos núcleos de inflação (com CPI pouco abaixo de 4,0% e PCE em torno de 3,0% ao final de 2023). Das duas uma: ou a autoridade monetária americana deliberadamente está dando mais peso à atividade, em seu mandato dual, ou o FOMC enxerga um grande choque negativo na atividade, em curto espaço de tempo, e este não está sendo captado pelo mercado.

Há uma tentativa de disciplinar a estrutura a termo, mas o cenário segue excessivamente instável. Ao final de 2023, chegou-se a precificar quase 85% de chance de o corte de juros começar em março de 2024, com quase 20% de chance do primeiro movimento ocorrer na reunião do FOMC de janeiro. Com sinais de uma inflação um pouco mais elevada ao final de 2023, certa resiliência nos indicadores de atividade, incluindo mercado de trabalho, e ajustes na comunicação feitos por membros do FOMC, virtualmente aboliu-se o corte em janeiro e se tem 40% de chance de os juros começarem a cair em março[2]. A hipersensibilidade a dados de altíssima frequência continua, o que, em nossa visão, é um indicador claro de que as mazelas na condução monetária continuarão presentes em 2024.

Entendemos que a mudança de visão do FOMC é forte demais para ser ignorada, e ela nos levou a uma reavaliação do cenário prospectivo. Reafirmamos que não vemos, nas informações disponíveis, razão para uma mudança tão brusca na sinalização. É fato, no entanto, que ela ocorreu. Esperamos que os juros americanos comecem a cair na reunião de março de 2024, e que o ciclo de ajuste monetário seja mais intenso do que o sinalizado pela autoridade monetária. Em nosso cenário, a taxa referencial de juros atingirá a faixa 4,00%-4,25%a.a. até o final de 2024.

O cumprimento da meta de inflação nos parece estar em 2º plano. Com esse cenário de juros, a inflação não atingirá a meta no horizonte relevante (até o final de 2025), ainda que se mantenha em trajetória declinante. O mercado de trabalho seguirá forte e, salvo algum choque inesperado, não vemos recessão na economia americana. É importante notar que aumentam riscos prospectivos nas searas fiscal, política e geopolítica, nublando a avaliação prospectiva.

Haverá enorme volatilidade durante o ano, tanto externa como interna. A piora do cenário geopolítico global, especialmente nas questões do Leste Europeu e do Oriente Médio, será ponto de tensão para a condução da política econômica americana – tanto na seara monetária como na seara fiscal. Um recrudescimento do cenário no Oriente Médio tenderá a pressionar as cotações de petróleo, aqui reconhecendo que o choque já esperado ao final de 2023 não se materializou. Em paralelo, é importante notar que as escolhas de policy não poderão ser dissociadas das eleições presidenciais americanas (nov/24), trazendo uma nova componente de risco ao cenário.

Haverá mais falta de coordenação entre as políticas fiscal e monetária, e isso fará preço. Não há sinal de consolidação fiscal nos EUA, e, com a emergência de riscos externos (geopolítica) e internos (eleição presidencial), não se deve esperar qualquer iniciativa para disciplinar gastos no curto prazo. Com isso, aumentarão as contestações à sustentabilidade fiscal de médio prazo – o que nos parece exagerado – e a pressão para emissão no Tesouro americano – o que, inclusive, já é observável nas próprias expectativas do Tesouro americano. Juros elevados aumentarão os custos de rolagem da dívida, tanto do governo quanto das empresas americanas, constituindo ponto de estresse adicional para a condução das políticas públicas neste ano.

Foco nas eleições presidenciais de novembro de 2024. Tudo se encaminha para um novo embate entre Biden e Trump. Com um governo errático e percebido (tanto dentro como fora dos EUA) como fraco, Biden não parece estar em posição vantajosa na disputa. Seu melhor cabo eleitoral tende a ser a rejeição a Trump, mas é notório que, dentre os republicanos, Trump tem mostrado uma avaliação mais positiva do que muito supunham. O mundo olha com atenção para o resultado desta eleição, que, em caso de vitória (provável) de Trump, criará ondas de choque por todo o globo.

EUROPA: BATALHA RETÓRICA

Como foi 2023: Surpresas positivas e uma atuação estelar da autoridade monetária

A ausência de uma estagflação no início do ano recalibrou o cenário. Ao final de 2022, o temor era de que a Europa iniciaria 2023 em estagflação, com forte choque negativo nos preços, principalmente em energia, e profunda desaceleração da economia. Com atuação decisiva e rápida das autoridades, nisso incluindo o Banco Central Europeu (ECB), e realizações positivas no cenário, especialmente do lado da atividade, foi possível evitar esse cenário mais disfuncional – e isso mudou totalmente o tom do debate econômico europeu para o ano.

A atividade europeia surpreendeu positivamente, especialmente na primeira metade de 2023, desacelerando ao final do ano. Chamou atenção a robustez dos serviços e do consumo doméstico, perfeitamente alinhados a um mercado de trabalho historicamente forte – e com sinais de estar operando para além do pleno-emprego[3]. O perfil da surpresa econômica gerou desequilíbrios entre os países componentes da Zona do Euro, priorizando aquelas economias com maior proporção de serviços – tipicamente os países periféricos, notadamente os mediterrâneos. As economias mais industrializadas, com destaque para a Alemanha, sofreram em cenário de redução da demanda (global) por bens e de aumento dos custos de produção. Há elevada probabilidade de recessão técnica ao final de 2023, criando um cenário mais negativo para 2024.

A inflação deu sinais de desaceleração mais contundente ao final de 2023, mas ainda se encontra em patamar elevado. No decorrer do ano, os vetores inflacionários foram se deslocando na direção dos serviços, em movimento perfeitamente alinhado à excessiva robustez do mercado de trabalho. Com base comparativa favorável nos preços de energia, a inflação ao consumidor encerrou 2023 em 2,9%; muito abaixo do 9,2% do final de 2022, mas ainda longe da meta de 2,0%. Os sinais de persistência inflacionária são preocupantes, com inflação subjacente encerrando 2023 em 3,4% (vs. 5,2% em 2022), e indicações de que começa um repasse da inflação passada aos salários das principais economias da Zona do Euro.

Nesse cenário de redução gradual do crescimento e da inflação, o ECB elevou as taxas de juros aos patamares mais elevados da história da moeda comum. A atuação da autoridade monetária europeia foi decisiva a partir de meados de 2022, com um ciclo rápido e intenso de ajuste que levou as taxas referenciais de juros a 4,00%a.a. (remuneração de depósitos), 4,50%a.a. (refinanciamento) e 4,75%a.a. (concessão de empréstimos). Tais patamares foram atingidos na reunião do ECB de setembro, e, desde então, passou-se a defender a manutenção das taxas de juros neste patamar, pelo tempo necessário para que ocorra uma consistente convergência da inflação à meta de 2,0% no médio prazo.

O ajuste monetário foi além das taxas de juros. Com o avanço do ajuste monetário e a redução da necessidade de regimes de exceção, criados após a pandemia para promover a transmissão da política monetária, há um progressivo desmonte dos programas de afrouxamento quantitativo e das salvaguardas desenhadas para garantir o bom funcionamento dos mercados europeus. O ajuste das condições monetárias é mais profundo do que o sugerido somente pela elevação das taxas referenciais de juros.

A comunicação foi central para reforçar a mensagem de “juros no platô, pelo tempo necessário”, e o ECB transmitiu essa sinalização ao mercado com maestria[4]. Houve evidente pressão para um início rápido dos cortes de juros, com maior sensibilidade do mercado a movimentos nos dados (de atividade e de inflação) e tentativas de comparação com as estratégias monetárias de outras economias, destacadamente a americana. O ECB se mostrou cauteloso, prudente e consistente, reforçando as particularidades do caso europeu e a necessidade de construir um caminho próprio. A estratégia de comunicação monetária do ECB (englobando os comunicados das decisões; os discursos da Presidente Christine Lagarde e dos diretores, e a produção técnica do staff do ECB) tem sido marcada pelo uníssono e pela clareza da mensagem transmitida ao mercado.

O que esperamos de 2024: Corte prudente das taxas de juros, a partir de meados do ano, e batalha para convencer o mercado disso

Sinais da virada do ano indicam desaceleração mais intensa da atividade. Não se vislumbra uma recessão, mas seria uma grande surpresa se a economia europeia não perdesse vigor durante este ano. As taxas de juros estão em terreno restritivo e há transmissão monetária, perceptível principalmente nos indicadores qualitativos e naqueles mais ligados à demanda. São abundantes os sinais de redução do ímpeto econômico, com notória exceção dos indicadores de mercado de trabalho. O seu comportamento segue como fonte de preocupação para a dinâmica inflacionária, com evidência de contaminação dos dissídios salariais em inúmeros países da Zona do Euro, ainda que traga mais sustentação para o comportamento da atividade no curto prazo.

Também há redução da inflação, mas o processo é gradual e tende a ser não-linear. Salvo novos choques positivos, a base comparativa favorável dos preços de energia acabará ainda no 1º trimestre do ano, mudando a cara da desinflação observada na inflação ao consumidor. A desaceleração das métricas subjacentes continuará sendo mais difícil, com peso mais relevante dos serviços e da pressão salarial. É necessário ter mais informações a respeito dos indicadores de preços no mercado de trabalho, além da forma como eles se relacionam à dinâmica inflacionária da Zona do Euro.

Esperamos que o ciclo de cortes de juros comece em meados de 2024, e seja implementado de forma bastante gradual. O cenário continua repleto de incertezas, e a transmissão da restrição monetária ainda precisa ter mais efeitos sobre a atividade, notadamente o mercado de trabalho, para que se tenha confiança no processo de desinflação tempestivo – ou seja, inflação projetada atingindo a meta no horizonte relevante para a política monetária. Todos os olhos se voltam para os dados do mercado de trabalho e para eventuais efeitos de um recrudescimento da situação geopolítica, tanto no Oriente Médio como na Ucrânia, que podem impactar o timing da flexibilização monetária.

A sinalização do ECB continua sendo exemplar, mas o caminho prospectivo é tortuoso. A presidente Lagarde afirmou, em janeiro de 2024, que o ciclo de afrouxamento monetário deve começar no verão europeu, dando ainda mais peso ao nosso cenário-base, acima descrito. Lagarde ressaltou que, quanto mais o mercado antecipar os cortes de juros, mais difícil será o trabalho da autoridade monetária – forçando, dessa forma, a manutenção dos juros no platô por ainda mais tempo. O ECB está em plena batalha retórica para disciplinar a precificação da estrutura a termo, e, ao menos por enquanto, tem tido sucesso nas suas iniciativas.

Com juros americanos provavelmente caindo antes dos juros europeus, o Euro tende a se fortalecer – e isso pode mudar o cenário prospectivo. A despeito do cenário econômico sugerir que os juros europeus deveriam cair antes dos americanos (se avaliado o desempenho recente, e esperado, para a dupla atividade e inflação), é senso comum que a flexibilização monetária americana será antecipada. Com isso, é provável que ocorra um enfraquecimento do Dólar frente ao Euro, fato que pode atrapalhar a retomada da demanda externa, explícita no cenário oficial europeu, a partir do final de 2024. Esse reequilíbrio dos vetores de demanda pode modificar o cenário prospectivo, afetando o plano de voo do ECB.

Há evidente preocupação com a provável eleição de Trump nos Estados Unidos, ao final do ano. Diversos gestores públicos europeus têm expressado preocupação com as potenciais implicações de uma vitória de Trump nas eleições presidenciais americanas. Os debates giram em torno de mudanças na posição dos EUA (em última instância, da OTAN) frente à Rússia, modificando a dinâmica da guerra na Ucrânia – tema geopolítico central para os europeus. Um aumento da animosidade com a China e uma postura mais direta de apoio a Israel no Oriente Médio, com eventual escalada com o Irã, também entram no rol de fatores de risco a ser observados nos próximos meses.

CHINA: REDUÇÃO DA VELOCIDADE DE CRESCIMENTO

Como foi 2023: Nossa visão se mostrou correta

Iniciamos o ano com uma visão, não-consensual, de que a China passaria por dificuldades em 2023[5]: o tempo mostrou que estávamos certos. A diferença em relação às visões mais otimistas do mercado estava na importância da retomada do consumo doméstico, após o fim da política de Covid-zero dinâmica (dez/2022). A vertente mais otimista dos analistas, majoritária no início de 2023, sustentava que a população chinesa iria liberar poupança previamente acumulada, acelerando o crescimento através do consumo. Uma vertente minoritária, da qual fazíamos parte, argumentava que a direção estava correta, mas a intensidade do movimento seria insuficiente – fosse porque as famílias chinesas seguiam contraídas e temerosas, fosse porque o choque em consumo teria que ser anormalmente elevado para compensar a desaceleração em curso em outros setores, tal como no imobiliário e nas vendas externas.

Atingir a meta de crescimento de “ao redor de +5,0%” não foi simples, exigindo grande atuação governamental. Sem vetores tão intensos no lado do consumo (interno ou externo), caberia ao governo estimular a economia através do seu receituário clássico – expansões fiscais e monetárias, priorizando os investimentos e a construção de infraestrutura. O governo, de fato, enveredou por este caminho, mas a eficiência dos impulsos foi moderada: o crescimento de +5,2% em 2023 é, nesse aspecto, uma vitória agridoce do governo chinês.

Questões de fundo tem se tornado cada vez mais relevantes, e nem sempre são compreendidas. As dificuldades em dinamizar a economia combinam questões estruturais (como o decaimento populacional), uma conjuntura particularmente negativa (sinofobia e redução global da demanda por bens, especialmente aqueles produzidos na China), problemas patrimoniais nas famílias e nas empresas (nisso incluindo debates, que consideramos exagerados, sobre recessão de balanços) e, acima de tudo, uma carência consistente de demanda, tanto externa como interna. Essa foi a tônica de 2023 e será, com ajustes, também a de 2024.

Há uma severa crise de confiança em curso, e são parcos os sinais de normalização no curto prazo[6]. Ao final de 2023, emergiram sinais moderadamente positivos no consumo das famílias chinesas, especialmente em serviços e durante o grande feriado (Golden Week) do último trimestre do ano. Mas, sem normalização da confiança e da segurança patrimonial (aqui passando tanto pela geração de renda, via emprego, como pela geração de riqueza, via ativos), não há razões para acreditar em grande ímpeto consumista do chinês médio. Uma pedra angular do cenário de baixa confiança está no relevante ajuste do mercado imobiliário, que segue sem dar sinais de que terminou. Nesse cenário, a economia passou por deflação em 2023, seja nos preços ao produtor, seja nos preços ao consumidor.

O que esperamos de 2024: Os desafios são relevantes e o crescimento tende a ser ainda menor

O sarrafo para taxas de crescimento mais robustas está elevado – e nos parece que o governo entende isso. As questões estruturais e conjunturais que têm afetado o crescimento chinês continuam em vigor, ainda que passando por naturais ajustes. A China enfrentará desafios internos e externos importantes em 2024, com a herança estatística mais baixa da série histórica, uma mudança para novos motores de crescimento (consumo interno, tecnologias verdes, serviços) ainda incompleta e um mundo que segue hostil aos desejos e aos produtos oferecidos pela China.

Não enxergamos um fim próximo para o ajuste do mercado imobiliário chinês. Atuação recente do governo tem tentado disciplinar a derrocada do setor, flexibilizando certas restrições do lado da demanda e aumentando o suporte às incorporadoras, pelo lado da oferta. As medidas nos parecem descalibradas, com excessiva ajuda às empresas e poucas garantias aos compradores. Sem o fortalecimento da demanda, o ajuste do setor não será completo. Os dados mais recentes de estoques implícitos e de preços do setor imobiliário seguem mostrando um segmento em queda livre, e não vemos sinais de estabilização, pelo menos, até meados do ano.

A demanda seguirá fraca, e isso manterá a inflação deprimida. Temores de que a China esteja ”japonizando” nos parecem exagerados, ao menos por enquanto, mas é fato que a redução da demanda está tendo efeitos sobre a dinâmica inflacionária. A deflação nos preços ao consumidor e ao produtor abre espaço para mais estímulos monetários durante 2024, mas, sem resolver a questão da confiança, os cortes de juros tendem a ser pouco efetivos para estimular a atividade econômica. Não esperamos nova deflação em 2024, especialmente nos preços ao consumidor, mas certamente não teremos grandes elevações dos preços no decorrer do ano.

A saída pela infraestrutura será prejudicada pela posição fiscal dos governos subnacionais chineses. Um efeito colateral importante do ajuste imobiliário é a redução das receitas derivadas de leilões de terra, parte central da estrutura arrecadatória dos governos subnacionais. Sem vendas imobiliárias, não há demanda por terras; sem demanda por terras, não há leilões e não há receita. O governo central tem aumentado as cotas de acesso a títulos especiais (do Tesouro e de propósito especial)[7] pelos governos subnacionais, que usam esses proventos para suprir parte da carência arrecadatória. Um ciclo de investimentos mais vigoroso exigirá nacionalização dos empreendimentos, posto que os governos subnacionais, principais executores dos investimentos, se encontram com finanças combalidas.

Governo chinês já deu mostras de que ampliará os estímulos monetários e fiscais – priorizando o segundo tipo de iniciativa. Consideramos a estratégia correta, ainda que seja necessário, em nossa visão, uma mudança dos gastos na direção da rede de seguridade social – o que aplacaria a insegurança das famílias e poderia destravar o consumo. Não vemos, no entanto, qualquer disposição do governo para modificar a sua atuação. A eficiência das políticas de estímulo tenderá a ser menor neste ano, ressuscitando, com o passar do tempo, o debate sobre o excessivo endividamento da sociedade chinesa.

Esperamos crescimento de +4,4% em 2024, com o governo reconhecendo uma redução, estrutural, do patamar de crescimento. Nesse sentido, esperamos que a meta de crescimento de 2024, a ser conhecida em março, seja menor do que a do ano passado – ao redor de 4,5% ou entre 4,5% e 5,0%. Caso a meta seja igual a de 2023, ficaremos mais preocupados, sendo essa uma sinalização clara de que o governo priorizou o curto prazo, em detrimento de ajustes mais profundos, e necessários, na economia. Ressaltamos, mais uma vez, que esse não é o nosso cenário-base.

Foco no novo Plano Quinquenal, que dará diretrizes de médio prazo para a economia. Detalhes serão divulgados em março, em paralelo à meta de crescimento de 2024, na 3ª Plenária do Congresso do Partido Comunista Chinês. É amplamente esperada uma mudança de foco, priorizando novos setores (tecnologia, transição energética, manufaturas de elevado valor adicionado, consumo interno) em detrimento dos setores mais tradicionais (indústria de base, imobiliário, exportações). Note-se, no entanto, que uma mudança de foco não implica em transição imediata para os novos vetores, e nem em abandono dos vetores mais antigos. Entender como o governo calibrará essa troca de guarda será central não somente para entender o comportamento da atividade em 2024, como, e principalmente, para avaliar os caminhos da China até o fim da década.

O último trimestre do ano terá um momento de grande tensão: as eleições presidenciais americanas. Relações sino-americanas passam por momento delicado, com sucessivas rodadas de restrição comercial (bilateral) e eleição de um governo separatista em Taiwan. Uma eventual vitória de Donald Trump certamente trará mais histrionismo ao debate, tornando a contraposição entre as duas grandes economias mais aberta. Haverá ruído, não somente nas relações entre China e EUA, mas também em todo mundo.

BRASIL: MAIS PERMISSIVIDADE MONETÁRIA

Como foi 2023: Surpresas na economia e a volta de certos fantasmas do passado

O crescimento do PIB foi sensivelmente maior do que esperávamos[8]. A economia brasileira terá crescimento em torno de 3,0% em 2023, resultado muito maior do que as nossas projeções no início do ano passado (crescimento de 0,7%). A maior parte da surpresa ocorreu em fatores exógenos, destacando a forte contribuição do setor agropecuário e o aumento da produção da indústria extrativa mineral (principalmente em petróleo). É injusto dizer, no entanto, que toda a surpresa ocorreu nestes setores; o crescimento dos serviços foi mais intenso do que esperávamos, e, do lado demanda, houve maior contribuição do consumo das famílias e das exportações líquidas.

Os setores crédito-intensivos amargaram um desempenho pífio. A indústria manufatureira, a construção civil e os investimentos tiveram resultados muito negativos durante 2023, reforçando a importância da restrição monetária (juros atingiram 13,75%a.a. em agosto de 2022 e lá ficaram até agosto de 2023) e das incertezas quanto aos rumos da economia no início do novo governo.

O forte desempenho do mercado de trabalho ajudou a dar suporte aos serviços e ao consumo. Esperávamos que a taxa de desemprego começasse a acelerar em meados de 2023, com uma redução do crescimento real da massa salarial e normalização da procura por trabalho, através de um aumento na taxa de participação. Nada disso ocorreu; a ocupação seguiu avanço até o final de 2023, a retomada da taxa de participação foi mais moderada do que imaginávamos e o desempenho da renda real mais forte do que projetávamos.

A expansão fiscal do início do ano também teve impacto relevante nos desvios entre as nossas projeções e os dados observados[9]. Sempre destacamos que a preferência relevada do grupo político que atualmente ocupa a presidência era por expansão dos gastos públicos; nesse sentido, o choque ocorrido com a Emenda Constitucional da Transição (EC 126/2022) não foi propriamente uma surpresa. O impulso gerado (1,5p.p. do PIB) teve efeitos maiores do que esperávamos sobre a atividade no curto prazo, ajudando a explicar uma parte de nossos erros de projeção.

O desempenho da balança comercial foi outro destaque positivo no ano. O saldo comercial foi superavitário em US$ 98,8bi em 2023, recorde histórico, combinando um pequeno aumento das exportações e um forte recuo das importações frente a 2022. A expansão das exportações, mesmo que pequena, foi notável se lembrarmos que o mundo desacelerou, tendo como destaques maiores vendas externas de produtos agrícolas (inclusive manufaturados), petróleo bruto e minério de ferro. Já a queda das importações esteve diretamente ligada à piora do desempenho da indústria e dos investimentos, mesmo em cenário de maior expansão do PIB. A mudança nas regras de precificação dos combustíveis, por parte da Petrobras, também reduziu as importações de combustíveis e derivados no ano passado.

Com saldo comercial forte e déficits em conta corrente contidos, o setor externo brasileiro seguiu como uma ilha de tranquilidade em nosso cenário macroeconômico. Note-se que a melhora do desempenho da conta corrente foi menos do que proporcional ao aumento do saldo comercial entre 2022 e 2023 (a balança comercial aumentou US$ 37,5bi, ao passo em que o déficit em conta corrente reduziu em US$ 28,5bi)[10], mas ainda assim foi relevante. A robustez do cenário externo foi um dos fatores que ajudou a dar sustentação à taxa de câmbio, com valorização de quase 8% do Real frente ao Dólar americano no ano passado.

A inflação voltou à banda de tolerância, eximindo o Banco Central de escrever uma nova carta aberta à sociedade. A inflação, medida pelo IPCA, encerrou 2023 em 4,62%, virtualmente o nosso cenário no início do ano (4,7%). A composição foi, no entanto, diferente do que imaginávamos, com mais pressão nos preços administrados (9,1%) e menos pressão nos preços livres (3,1%). Note-se, nos preços livres, que houve grande dicotomia entre as inflações de bens, sejam tradables (0,6%) ou non-tradables (5,1%), e de serviços (6,2%), com aceleração das duas últimas ao final do ano. É importante lembrar que certas medidas pontuais, como o subsídio a automóveis (jun/23), foram relevantes para que a inflação tenha terminado o ano abaixo do limite superior da banda de tolerância (4,75%) para a meta de inflação de 2023 (3,25%).

Não víamos espaço para flexibilização monetária em 2023, e recebemos com preocupação o início dos cortes de juros em agosto do ano passado. O Banco Central iniciou um ciclo de cortes a uma velocidade de 50bps por reunião, entregando, ao final de 2023, uma taxa Selic de 11,75%a.a. Note-se que, a despeito de certas surpresas positivas observadas durante o ano passado, as projeções condicionais da própria autoridade monetária se encontraram acima da meta de inflação durante todo o horizonte relevante mesmo quando do início dos cortes de juros. Parece-nos claro que o Banco Central está satisfeito com não-infração do regime (ou seja, inflação na banda de tolerância), colocando o cumprimento da meta no horizonte relevante em 2º plano.

A autoridade monetária tem sinalizado que a velocidade de cortes será mantida em 50bps por reunião, ao menos no curto prazo. A estratégia de comunicação passou pelo compromisso com o ritmo para as duas reuniões subsequentes, evidentemente sendo condicional à confirmação do cenário prospectivo da autoridade monetária. A precificação de mercado oscilou durante o segundo semestre do ano passado, por vezes demandando um ritmo mais rápido (especialmente com sinais de desaceleração do crescimento interno e melhora do ambiente global), por vezes advogando por maior cautela (especialmente devido a dúvidas fiscais).

A nota mais negativa do cenário veio da política fiscal, mostrando grande piora do resultado primário em 2023[11]. Com a confirmação de uma “preferência por despesas” e com frustração nas receitas (recorrentes e não-recorrentes), o déficit primário terá encerrado 2023 pouco abaixo de 2,3% do PIB. Parte importante da piora primária adveio do pré-pagamento de precatórios ao final do ano, evento que, em si, levou a uma piora primária de 0,95p.p. do PIB – e que representará, em menor medida, mais uma rodada de expansão fiscal no início de 2024, fato que, em si, atrapalhará o cumprimento da meta de inflação no horizonte relevante.

Os resultados negativos, no curto prazo, foram acompanhados por mudanças na estrutura de médio prazo – e, em alguns casos, para melhor. O Novo Arcabouço Fiscal, que disciplina a gestão fiscal até 2026, nos parece excessivamente ambicioso, exigindo um forte aumento, anual e recorrente, das receitas para conciliar expansão real dos gastos públicos, mesmo que moderada, e reversão do resultado primário de um déficit em 2023 a um superávit em 2026. A Reforma Tributária, por sua vez, instituiu um regime de impostos mais simples e efetivo, sendo um avanço frente ao regime tributário atual. Note-se que a reforma não foi, nem de perto, a melhor possível, mas ainda assim deve ter efeitos positivos sobre o ambiente macroeconômico a médio prazo.

Confirmou-se, assim, a nossa visão de que a falta de coordenação entre as políticas fiscal e monetária seria um grande desafio neste governo. Os eventos de 2023 nos parecem somente um aperitivo do que está por vir, especialmente se considerarmos que as mudanças fiscais aprovadas no ano passado (no Novo Arcabouço Fiscal e a Reforma Tributária) serão insuficientes para disciplinar a trajetória de dívida/PIB, e que o crescimento da economia dará sinais de exaustão já em 2024. Com uma política fiscal mais expansionista do que seria recomendável, resta saber até qual ponto a política monetária operará de forma mais restritiva.

O que esperamos de 2024: Um pouco mais de permissividade monetária

Em condições normais, não vemos qualquer possibilidade de que a meta de estabilidade primária presente no Novo Arcabouço Fiscal seja cumprida em 2024. Frente ao cenário esperado de receitas e despesas, e nisso já incluindo expectativas de maior arrecadação com “mudanças de regras” (por exemplo, no CARF), ainda enxergamos uma carência de receitas da ordem de R$ 80bi somente para este ano[12]. Estritamente falando, é possível obter montantes dessa magnitude através de expedientes não-recorrentes, mas isso só posterga o problema para 2025 – que, no arcabouço aprovado, já deveria entregar superávit primário. Parece-nos muito mais provável que as metas do arcabouço sejam flexibilizadas no decorrer do ano, combinando pressão por maiores gastos e insuficiência de novas receitas. Esperamos déficit primário de 1,1% do PIB em 2024.

A esperada desaceleração do crescimento do PIB para 1,3% tende a pressionar o governo – quanto mais em ano eleitoral (subnacional). Sem choques exógenos positivos, esperamos crescimento do PIB de somente 1,3% do PIB em 2024. Há riscos negativos emanando da agropecuária (para a qual já esperamos uma contração de -3,5%, já como reflexo dos grandes choques climáticos do El Niño), mas é forçoso reconhecer que o governo não deve ficar inerte, aumentando dispêndio, tanto fiscais (flexibilizando as regras do arcabouço) como parafiscais (utilizando bancos públicos e recursos extraorçamentários, como o FGTS). Hoje, entendemos que estes riscos se cancelam para o PIB. O maior ativismo governamental (em todas as esferas, não somente a federal) deve ser acompanhado conforme nos aproximarmos das eleições municipais de 2024, centrais para os projetos políticos da situação e da oposição.

Não vemos grandes tendências na taxa de câmbio. Ainda que em magnitude inferior à observada no ano passado, o superávit comercial deve continuar relevante e o déficit em conta corrente contido, configurando, assim, mais um ano de restrição externa inativa em nossa economia. A despeito dessas questões mais positivas, é difícil imaginar qualquer tendência relevante de apreciação dadas as incertezas fiscais – na execução do arcabouço, na aprovação da legislação complementar à Reforma Tributária e na própria manutenção das regras aprovadas em 2023.

O mercado de trabalho deve continuar robusto, com taxa de desemprego historicamente contida. O desempenho do mercado de trabalho e da renda nos surpreendeu em 2023, e incorporamos essas surpresas à construção do cenário de 2024. Com taxa de participação tendo dificuldade de voltar ao patamar pré-Covid, em muito devido ao aumento das transferências de renda, esperamos taxa de desemprego média de somente 8,3% em 2024 (vs. 8,3% em 2023). A massa salarial ampliada tende a crescer novamente, dando sustentação ao consumo de bens e serviços.

A inflação deve desacelerar para 3,9% em 2024, mas seguirá com enorme dificuldade de se aproximar da meta de 3,0%. Esperamos um reequilíbrio de forças entre a inflação de administrados e a inflação de livres, já reconhecendo certo “uso eleitoral” dos preços administrados neste ano. Emergem riscos negativos derivados dos desequilíbrios climáticos recentes, tanto em bens (non-tradables) como em administrados (reajustes anuais de tarifas de eletricidade residencial), além de certa pressão em combustíveis e bens tradables no decorrer do primeiro semestre. A inflação de serviços tende a reduzir, porém se mantendo em patamar elevado – e inconsistente com o cumprimento da meta de inflação. A plena desinflação da economia não será alcançada neste ano e nem no próximo, para o qual estimamos IPCA nas cercanias de 4,0%.

A despeito do não-cumprimento da meta de inflação, vemos a Selic sendo cortada até 9,00%a.a. em 2024. Se supusermos que a meta é o objetivo explícito da autoridade monetária, não haveria espaço para este orçamento de cortes de juros. No entanto, também não se poderia ter iniciado a flexibilização monetária em 2023. Isso posto, entendemos que há uma preferência revelada, priorizando a não-infração do regime de metas (ou seja, inflação inferior a 4,5% no horizonte relevante). Tomando este como o objetivo de facto do Banco Central, esperamos uma sequência de reduções da Selic, ao ritmo de 50bps, até julho, com um movimento final de 25bps na reunião do COPOM de setembro.

Um maior estresse entre monetário e fiscal é o principal fator de risco para este plano de voo. Há chance real do Executivo priorizar o crescimento de curto prazo, com um sem-fim de medidas que, mesmo sob nova roupagem, tragam os mesmos efeitos negativos do passado (política industrial, conteúdo nacional, novo PAC, novo MCMV, aumento das transferências de renda a segmentos específicos, aumento da folha salarial do Estado, etc). Parece-nos, no entanto, que a maior parte dos efeitos negativos tende a se materializar de 2025 em diante, colocando a gestão monetária na berlinda no ano que vem – já com nova composição do colegiado do COPOM e com um objetivo de meta contínua de inflação, que ainda carece de maiores detalhes e regulamentação adequada.

 

DISCLAIMER

Este relatório foi produzido pela BRCG utilizando dados públicos compilados até 22 de janeiro de 2024 e possui caráter meramente informativo. O relatório é destinado a clientes e investidores institucionais, não podendo a BRCG e/ou os seus analistas serem responsabilizados por quaisquer perdas, diretas ou indiretas, derivadas de sua utilização. Este relatório não pode ser reproduzido, distribuído ou publicado por qualquer pessoa ou instituição, para quaisquer fins, sem a estrita autorização da BRCG.

[1] Destaque BRCG | EUA: 2023 em cinco (longos) parágrafos. Disponível em https://brcg.com.br/destaque-brcg/

[2] Data de corte em 22 de janeiro de 2024.

[3] A taxa de desemprego provavelmente encerrará 2023 abaixo de 6,5%, sendo a mais baixa, para a Zona do Euro, desde que a moeda única foi constituída.

[4] Destaque BRCG | Banco Central Europeu (ECB): A visão depois da última reunião. Disponível em https://brcg.com.br/destaque-brcg/

[5] Destaque BRCG | China: Mal-estar ao final de 2022. Disponível em https://brcg.com.br/destaque-brcg/

[6] Destaque BRCG | China: Quando a realidade se impõe. Disponível em https://brcg.com.br/destaque-brcg/

[7] Os títulos especiais do Tesouro (Special Treasuary Bonds, ou STB) são emitidos pelo governo central por motivos estratégicos, sendo tipicamente associados a alguma emergência ou catástrofe natural. Já os títulos de propósito especial (Special Purpose Bonds, ou SPB) estão tipicamente associados às obras de infraestrutura, capitaneadas pelos governos subnacionais. A cota anual de SPB´s foi de RMB 3,8tri (US$ 550bi) em 2023, sendo complementada, em outubro de 2023, por uma emissão de STB´s de RMB 1,0tri (US$ 139bi).

[8] Destaque BRCG | Brasil: 2023 em cinco (longos) parágrafos. Disponível em https://brcg.com.br/destaque-brcg/

[9] Destaque BRCG | Política fiscal: O pacote e a preferência revelada. Disponível em https://brcg.com.br/destaque-brcg/

[10] Resultados são anteriores a revisão ordinária da conta corrente, a ser divulgada somente no final de janeiro de 2024, fora do seu prazo usual, devido à operação-padrão dos servidores do Banco Central do Brasil

[11] Destaque BRCG| Arcabouços fiscal: O jogo só começou. Disponível em https://brcg.com.br/destaque-brcg/

[12] Destaque BRCG | Potencial de arrecadação da tributação de IRPJ/CSLL sobre os incentivos fiscais do ICMS. Disponível em https://brcg.com.br/destaque-brcg/