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Copom (ago/22): É hora de migrar o debate
Livio Ribeiro (livio.ribeiro@brcg.com.br)
11/08/2022
Bottom line: Com a informação hoje disponível, a autoridade monetária não vê a taxa Selic superando 14%a.a. – o que, por sinal, é nosso call há bastante tempo. Com falta de coordenação entre as políticas monetária e fiscal, entendemos que será necessário um juro médio bem mais elevado, no ano que vem, para garantir a convergência da inflação para o redor de 3,0% ao final de 2024. Esse é, de fato, o horizonte relevante para o qual precisa migrar todo o debate, tão cedo quanto possível.
Em relatório imediatamente anterior à decisão de política monetária de agosto[1], explicitamos que, em nossa opinião, o Comitê de Política Monetária do Banco Central (Copom) faria ajustes bastante específicos em sua comunicação. Esperávamos que a taxa Selic fosse elevada em 50bps, atingindo 13,75%a.a., e que ocorresse um alongamento do horizonte relevante para a atuação da política monetária, olhando para 2023 e, em menor grau, também para 2024. Mais ainda, nossa expectativa era de que a autoridade monetária não desse o ciclo de elevação da Selic por encerrado, deixando aberta a porta para um movimento adicional e final, de 25bps, na reunião de setembro. Não haveria, no entanto, uma antecipação clara, suprimindo qualquer forward guidance – emulando, assim, os ajustes recentemente feitos na comunicação do FED e do ECB.
Em linhas gerais, o Comunicado da decisão de agosto seguiu o script descrito acima. De fato, a taxa Selic atingiu 13,75%a.a. e o horizonte relevante para a política monetária foi formalmente alongado, passando a incorporar, com menor importância, o ano-calendário de 2024. Note-se que projeções condicionais para este horizonte já estavam presentes na comunicação da reunião anterior do Copom (em junho), ainda que sem fazer parte, explicitamente, do horizonte-objetivo.
Também deixamos claro, em outro relatório anterior[2], a opinião de que o Copom tinha perdido, em junho, uma boa oportunidade de alongar o seu horizonte de forma crível, mesmo que isso implicasse uma mudança nos ritos tradicionais da comunicação oficial. O alongamento do horizonte a 2024, ainda que com peso menor do que 2023, é movimento importante na direção de reconstrução da credibilidade da convergência inflacionária. Sob quaisquer valores factíveis de juros, e excetuando medidas “não-monetárias” adicionais e mudanças bruscas do cenário, a convergência da inflação para a meta é, no ano que vem, virtualmente impossível.
Tal constatação emerge das novas projeções condicionais divulgadas pela autoridade monetária. Usando, em seu cenário de referência, taxas de juros terminais de 13,75%a.a. em 2022, de 11%a.a. em 2023 e de 8%a.a. em 2024, entrega-se inflação de 4,6% em 2023 – 60bps acima do observado no cenário condicional publicado em junho e bastante fora da meta de 2023 (3,25%), mesmo utilizando um orçamento de juros mais elevado em todo o horizonte estimado. Note-se que a projeção de inflação é de 2,7% em 2024, tal como ocorrido em junho, sinalizando certa “gordura” no orçamento de juros, para uma convergência daqui a dois anos.
É importante notar que, em na discussão de agosto, o Banco Central passou a incorporar suas estimativas para os efeitos das medidas tributárias ora em curso. Estas deverão reduzir a inflação neste ano pressionando-a, de forma menos que proporcional, no ano que vem – em ambos os casos, com concentração quase total dos efeitos nos preços administrados.
De uma leitura atenta das projeções condicionais oficiais, é possível extrair que o Banco Central estima um efeito pouco maior do que -200bps no IPCA de 2022, magnitude que está perfeitamente alinhada ao que estimamos. A diferença relevante fica para 2023, quando o Banco Central espera um efeito de aproximadamente +50bps, derivado da reversão parcial das desonerações. Nossas estimativas são praticamente o triplo disso, deixando claro que esperamos não somente a recomposição dos tributos federais que foram reduzidos (o que, por si, teria impacto aproximado de +70bps na inflação), como também alguma recomposição das receitas subnacionais (grosso modo, metade das perdas estimadas de arrecadação devido à limitação das alíquotas do ICMS, com impacto inflacionário de +80bps) de forma a não penalizar, em excesso, as finanças desses entes federativos.
Reconhecendo as diferenças em relação às premissas oficiais, que podem (ou não) se confirmar, identificamos que a inflação de preços livres que emana dos modelos oficiais segue, no geral, mais benigna do que a que extraímos de nossos modelos, mesmo que os desvios sejam, agora, menos intensos do que em rodadas anteriores de acesso ao cenário oficial. A grande diferença está, de fato, no biênio 2023-2024, para o qual utilizamos juros médios bem mais elevados (nossa taxa Selic permanece estável em 14%a.a. até, pelo menos, o final de 2023). E, ainda assim, obtemos inflações elevadas: 6,0% em 2023 (em muito devido à hipótese tributária) e 3,3% em 2024 (com inflação de preços livres claramente superior à oficial).
Note-se que as iniciativas fiscais em curso (desonerações tributárias e transferências de renda) são mais um grande complicador em um cenário já bastante delicado, introduzindo uma fonte de incerteza adicional em um balanço de riscos que possui caudas “anormalmente gordas”. Há uma multiplicidade de choques, destacando, em um extremo, evidências de desaceleração mais pronunciada do crescimento global (o que daria viés de baixa à inflação via preços internacionais cadentes, supondo limitado impacto na taxa de câmbio). Em outro extremo, há possibilidade concreta de que as medidas recentes de expansão das transferências de renda, em tese temporárias, tornem-se permanentes (o que dá viés de alta à inflação e, por erosão fiscal adicional, tende a elevar o juro neutro da economia). No meio disso, uma evidente falta de coordenação entre as políticas monetária e fiscal, tema que não está ganhando a atenção que merece.
Não temos qualquer discordância em relação à amplitude de cenários possíveis, fato corretamente destacado pela autoridade monetária. Continua nos incomodando, no entanto, que o balanço de riscos seja simétrico para o Copom: em termos inflacionários, o valor esperado dos choques negativos (impulso excessivo à demanda e eventual elevação do juro neutro) nos parece claramente superior ao dos choques positivos (desaceleração do crescimento global e, portanto, dos preços referenciais de commodities e bens industriais). Note-se que nem se está computando, neste debate, a possibilidade concreta de mudanças institucionais ou de diretriz da política econômica, fatos perfeitamente plausíveis após eleições de 2022 – independentemente do grupo político vencedor.
Os analistas têm gastado bastante energia no debate sobre o fim do ciclo de alta de juros – se a taxa terminal seria de 13,75%a.a., ou se haveria espaço, e necessidade, para ajustes posteriores. Em sua comunicação recente, o Comitê deixou a porta aberta ao dizer que analisará a necessidade de um ajuste residual, e de magnitude inferior à ocorrida em agosto, na reunião de setembro. Não é uma sinalização absolutamente cristalina, mas certamente é mais forte do que esperávamos. Não muda o fato, no entanto, de que, com a informação hoje disponível, a autoridade monetária não veja a taxa Selic superando 14 %a.a. – o que, por sinal, é nosso call há bastante tempo[3].
Muito mais importante do que esses 25bps adicionais – o que, convenhamos, muda muito pouco o cenário – é o debate sobre quando a autoridade monetária se sentirá confortável para iniciar um ciclo de cortes na taxa básica. E, nesse aspecto, a situação segue confusa.
De um lado, é fato que o tom do Copom tem sido progressivamente mais leniente com o cumprimento da meta de inflação no horizonte relevante, culminando, na reunião de junho, em uma mudança operacional para uma “convergência para o redor da meta ao longo do horizonte relevante” – o que é, inequivocamente, um conceito bastante vago, tanto em termos numéricos quanto no tempo a ser decorrido. De outro lado, é notório que as medidas “ex-monetárias” (tributárias e de transferências de renda) implementadas complicaram fortemente a avaliação da inflação prospectiva, “torcendo” o IPCA no biênio 2022-2023. Pior, há tendência de maximização da inflação durante os próximos trimestres, nisso incluindo o ano-calendário de 2023 – que (ainda) é, para todos os efeitos, a maior parte do horizonte relevante da autoridade monetária.
Buscando contornar algumas destas questões e dar mais previsibilidade ao debate, o Copom inovou e criou um “ponto de análise” no início de 2024, horizonte que seria menos afetado, diretamente, pelas distorções tributárias, mas que carregaria os seus impactos na estrutura de preços da economia. A inflação acumulada em 12 meses projetada neste horizonte seria de 3,5%, o que, nas palavras do Banco Central, seria compatível com a estratégia de “convergência da inflação para o redor da meta ao longo do horizonte relevante”. Note-se, também, que a projeção do final do ano-calendário de 2024, de 2,7%, foi descrita pelo Comitê como “ao redor da meta”, dando alguma pista do que seria o conceito de “redondeza” que está na cabeça da autoridade monetária.
Ainda que a linguagem permaneça um tanto cifrada, exigindo excessivas interpretações e hipóteses por parte dos analistas, resulta claro que o Comitê parece mais confortável com o cenário de referência atualmente utilizado para a taxa Selic. Isso fica ainda mais evidente se notarmos que, na Ata de junho, o Copom disse, como todas as letras, que os juros precisariam ser mais elevados do que os utilizados no cenário de referência, durante todo o horizonte relevante, para garantir a convergência da inflação. Tal menção desaparece na Ata da reunião de agosto.
Entendemos que parte do maior conforto vem do alongamento (esperado) do prazo de convergência, mantendo, tal como em junho, a projeção condicional de 2024 numericamente inferior à meta de 3,0%. Note-se, ainda, que os juros terminais foram efetivamente elevados durante todo o horizonte relevante (+50bps em 2022, +100bps em 2023 e +50bps em 2024), contemplando, em algum nível, o tom de assimetria nos juros que existia na Ata de junho.
Entendemos, por outro lado, que há motivos sólidos para renovado desconforto – que emanam de mudanças nas condições de contorno da economia, especialmente as iniciativas fiscais e a incerteza institucional/econômica durante o horizonte relevante –, que não parecem ter sensibilizado o Comitê. Reforça-se, assim, que o cenário-base do Banco Central incorpora um ciclo relevante de cortes da taxa básica no ano que vem. Caso respeite a precificação atual de mercado, tal ciclo começaria ainda no primeiro trimestre de 2023, e se alongaria até o fim de 2024.
Permanecemos céticos. O Comitê segue mais confiante na potência de sua atuação e nos efeitos defasados dos ajustes implementados do que achamos recomendável. Mesmo porque, ao contrário do que expressa o Banco Central, ainda vemos clara assimetria negativa para o cenário prospectivo. Isso posto, entendemos que um ajuste adicional dos juros na reunião de setembro é recomendável. E, ainda mais importante, hoje vemos pouco espaço para cortes dos juros até pelo menos a segunda metade do ano que vem, quando o horizonte relevante já terá migrado para 2024, carregando toda a história de choques, ainda em gestação, que ocorrerá nos próximos trimestres.
Reafirmamos o nosso call de Selic terminal a 14,00%a.a. em 2022, sendo atingida na próxima reunião com um movimento residual de 25bps. A partir da informação hoje disponível, é impossível a convergência para a meta de 2023 – e isso está cristalino até mesmo no cenário oficial. Entendemos que será necessário um juro médio bem mais elevado, no ano que vem, para garantir a convergência da inflação para o redor de 3,0% ao final de 2024. Esse é, de fato, o horizonte relevante, para o qual precisa migrar todo o debate, tão cedo quanto possível. Com Selic estável em 14%a.a. até o final de 2023, e premissas negativas para a coordenação entre as políticas monetária e fiscal, vemos o IPCA encerrando 2024 ao redor da meta, em 3,3%.
DISCLAIMER
Este relatório foi produzido pela BRCG utilizando dados públicos compilados até 11 de agosto de 2022 e possui caráter meramente informativo. O relatório é destinado a clientes e investidores institucionais, não podendo a BRCG e/ou os seus analistas serem responsabilizados por quaisquer perdas, diretas ou indiretas, derivadas de sua utilização. Este relatório não pode ser reproduzido, distribuído ou publicado por qualquer pessoa ou instituição, para quaisquer fins, sem a estrita autorização da BRCG.
[1] Destaque BRCG | Pré-Copom (ago/22): O início do fim. Disponível em https://brcg.com.br/destaque-brcg/
[2] Destaque BRCG | Copom (jun/22): Olhando além da miragem. Disponível em https://brcg.com.br/destaque-brcg/
[3] Flash BRCG | Decisão de política monetária – Comunicado do Copom (jun/22): Para além da miragem. Disponível em https://brcg.com.br/flash/