17/03/2021
O Banco Central elevou a taxa Selic em 75bps na reunião de março, acima da expectativa de 50bps, levando-a a 2,75%a.a. Mais importante do que isso, a autoridade monetária sinalizou que, em seu plano de voo base, haverá outra elevação de juros de 75bps na reunião de maio. No conjunto da obra, o Banco Central foi evidentemente bem mais duro e “arrojado”.
A decisão parte de uma leitura oficial benigna para o cenário de atividade, tanto global (com impulsos fiscais e vacinação) como local – ainda que, neste caso, o argumento seja totalmente retrospectivo (ou seja, olhando para a retomada de 2020). Apesar da piora da pandemia e da incerteza durante todo o primeiro semestre, os riscos negativos pelo lado da atividade claramente ficaram em segundo plano. Do lado da inflação, há preocupação explícita com o repasse de preços importados convertidos à moeda local (notadamente em combustíveis) e de seus potenciais efeitos sobre a dinâmica prospectiva – mesmo que, contra nossa expectativa, isso não tenha se tornado mais claro no balanço de riscos.
A meta de inflação está perdida neste ano, com projeção oficial de 5,0% (pouco acima de nossa projeção mais recente de 4,8%), ainda que a enorme parte da culpa venha dos preços administrados (9,5% em 2021, implicando em inflação de livres de 3,5%). Para 2022, um orçamento de juros de 250bps em 2021 (Selic terminal a 4,5%a.a.) e de 100 bps adicionais em 2022 (Selic terminal a 5,5%a.a.) produz inflação na meta de 3,5%.
É interessante perceber que o orçamento total de 2021 é pouco maior que o necessário em nossos modelos para produzir convergência à meta de 2022, ainda que com estratégia de implementação bem distinta (o nosso começaria mais tarde, seria mais lento e se alongaria até o fim do ano). O principal argumento para antecipar o ciclo (considerando esta decisão e a forte sinalização para a próxima) é minimizar a chance de rompimento do limite superior da banda de oscilação da inflação de 2021 (5,25%), mantendo as expectativas de longo prazo ancoradas. Sob esta ótica, de fato o Banco Central precisa agir muito e rápido; caso contrário, as elevações dos juros só afetariam de forma relevante a inflação do ano que vem.
Com tamanha incerteza no comportamento da atividade (e, portanto, da ociosidade), entendemos que a estratégia escolhida pelo Banco Central é fortemente conservadora – para dizer o mínimo. Para afetar de forma relevante a trajetória de inflação deste ano, é necessário que se produza um choque muito negativo de demanda ou que se entregue uma grande apreciação da taxa de câmbio. Acreditamos que o primeiro é bem mais provável do que o segundo, com sua motivação (a reaceleração da Covid) passando ao largo da política monetária.
Dada a óbvia sinalização oficial, revisamos o nosso call de juros para 4,50%a.a. em 2021, com elevação de 75bps em maio e duas elevações subsequentes de 50bps nas decisões de junho e agosto. Este orçamento pouco afeta a trajetória da inflação de 2021, mas produz inflação um pouco abaixo da meta em 2022 (3,3%). A depender do aumento de ociosidade gerado no primeiro semestre, as elevações de 50bps podem ser espaçadas no tempo. Com a informação atual, uma Selic terminal de 5,50%a.a. em 2022, com vistas à meta de 2023, ainda nos parece excessiva – mas a incerteza para este call é, evidentemente, gigantesca.
Mais detalhes seguem abaixo. Como sempre, texto anterior em vermelho e novo texto sublinhado, com grifos onde julgamos relevante.
(1) Cenário externo: O tom muda de forma relevante. Estímulos fiscais e vacinação promoverão recuperação da atividade ao longo do ano, que passa a conviver com temores inflacionários. A abertura das curvas de juros globais tende a tornar o ambiente pior para os emergentes
No cenário externo, o aumento do número de casos e o aparecimento de novas cepas do vírus têm revertido os ganhos na mobilidade e deverão afetar a atividade econômica no curto prazo. No entanto,novos estímulos fiscais em alguns países desenvolvidos, unidos àao avanço da implementação dos programas de imunização contra a Covid-19, devem promover uma recuperação sólidamais robusta da atividade no médio prazoao longo do ano. A presença de ociosidade, assim como a comunicação dos principais bancos centrais, sugere que os estímulos monetários terão longa duração, permitindo um ambiente favorável. Contudo, questionamentos dos mercados a respeito de riscos inflacionários nessas economias têm produzido uma reprecificação nos ativos financeiros, o que pode tornar o ambiente desafiador para economias emergentes
(2) Atividade doméstica: Leitura claramente enviesada para o lado positivo, falando principalmente da recuperação ocorrida no ano passado. O BCB reconhece possíveis efeitos negativos da piora da pandemia e alonga o horizonte de incerteza até o fim do 1o semestre, mas deixa de condicionar isso à retirada dos auxílios emergenciais.
Em relação à atividade econômica brasileira, indicadores referentes ao finalrecentes, em particular a divulgação do ano passado têm surpreendido positivamente, masPIB do quarto trimestre, continuaram indicando recuperação consistente da economia, a despeito da redução dos programas de recomposição de renda. Essas leituras, entretanto, ainda não contemplam os possíveis efeitos do recente aumento no número de casos de Covid-19. Prospectivamente, a incerteza sobre o ritmo de crescimento da economia permanece acima da usual, sobretudo para o primeiro trimestre deste ano, concomitantemente ao esperado arrefecimento dos efeitos dos auxílios emergenciaise segundo trimestres deste ano.
(3) Inflação e expectativas: Nova elevação de tom, dando bastante destaque à pressão advinda de preços internacionais convertidos à moeda local, e, dentre eles, especificamente combustíveis. Apesar do choque ser mais forte e mais persistente, o BCB continua vendo-o como temporário. As medidas de inflação subjacente permanecem sendo descritas como acima do compatível com o cumprimento das metas, o que continua soando “peculiar” – a métrica mais recente, em 12 meses, mostra média dos núcleos em 3,1%. Ao menos no Focus, não há contaminação da inflação prospectiva.
AA continuidade da recente elevação no preço de commodities internacionaise seus reflexos sobre os preços de alimentos e combustíveis implicamem moeda local tem afetado a inflação corrente e causou elevação adicionaldas projeçõesde inflação para os próximos meses., especialmente através de seus efeitos sobre os preços dos combustíveis. Apesar da pressão inflacionária mais forte nodecurto prazo se revelar mais forte e persistente que o esperado, o Comitê mantém o diagnóstico de que os choques atuais são temporários, ainda que tenham se revelado mais persistentes do que o esperado. Assim, o Copommas segue monitorandoatento à sua evoluçãocom atenção, em particular as medidas de inflação subjacente
As diversas medidas de inflação subjacente apresentam-se em níveis acima do intervalo compatível com o cumprimento da meta para a inflação
As expectativas de inflação para 2021, 2022 e 2023 apuradas pela pesquisa Focus encontram-se em torno de 3,4,6%, 3,5% e 3,25%, respectivamente;
(4) Projeções condicionais: O orçamento de juros passa a ser de 250bps em 2021 e de 100bps adicionais em 2022, levando as Selic’s terminais a, respectivamente, 4,50%a.a. e 5,50%a.a. Ou seja, mais juros e com front-loading. A inflação deste ano está perdida e vai a 5,0% (nosso número mais recente é 4,8%), mas este orçamento de juros leva a inflação à meta de 2022. O Banco Central teve a preocupação de divulgar a trajetória de administrados, informação geralmente só presente na Ata. Com isso, recuperamos inflação de preços livres de 3,5% em 2021 e de 3,4% em 2022. Em ambos os casos, os valores são próximos aos nossos e confirmam a natureza peculiar deste choque.
No cenário básico, com trajetória para a taxa de juros extraída da pesquisa Focus e taxa de câmbio partindo de R$5,3570/US$*, e evoluindo segundo a paridade do poder de compra (PPC), as projeções de inflação do Copom situam-se em torno de 3,65,0% para 2021 e 3,45% para 2022. Esse cenário supõe trajetória de juros que se eleva até 3,25para 4,50% a.a. neste ano e para 5,50% a.a.em 2022. Nesse cenário, as projeções para a inflação de preços administrados são de 9,5% para2021 e 4,75% a.a. em4% para 2022
(5) Balanço de riscos e decisão: Parece-nos surpreendente que a redação do balanço de riscos não tenha ficado mais dura, especialmente devido à maior inflação projetada para os próximos meses e à possibilidade de contaminação das expectativas. Na verdade, as mudanças relevantes foram na direção contrária, deixando claro que o agravamento da pandemia pode produzir inflação mais baixa. Do lado negativo, seguem os mesmos vetores de natureza fiscal e frustração com reformas, que produzem um balanço de riscos assimétrico e altista para a inflação
O Comitê ressalta que, em seu cenário básico para a inflação, permanecem fatores de risco em ambas as direções.
Por um lado, o nível de ociosidade agravamento da pandemia pode produziratrasar o processo de recuperação econômica, produzindo trajetória de inflação abaixo do esperado, notadamente quando essa ociosidade está concentrada no setor de serviços. Esse risco se intensifica caso uma reversão mais lenta dos efeitos da pandemia prolongue o ambiente de elevada incerteza e de aumento da poupança precaucional.
Por outro lado, um prolongamento das políticas fiscais de resposta à pandemia que piore a trajetória fiscal do país, ou frustrações em relação à continuidade das reformas, podem elevar os prêmios de risco. O risco fiscal elevado segue criando uma assimetria altista no balanço de riscos, ou seja, com trajetórias para a inflação acima do projetado no horizonte relevante para a política monetária.
O Copom avalia que perseverar no processo de reformas e ajustes necessários na economia brasileira é essencial para permitir a recuperação sustentável da economia. O Comitê ressalta, ainda, que questionamentos sobre a continuidade das reformas e alterações de caráter permanente no processo de ajuste das contas públicas podem elevar a taxa de juros estrutural da economia.
Considerando o cenário básico, o balanço de riscos e o amplo conjunto de informações disponíveis, o Copom decidiu, por unanimidade, manterelevar a taxa básica de juros em 0,75 ponto percentual, para2,002,75%a.a. O Comitê entende que essa decisão reflete seu cenário básico e um balanço de riscos de variância maior do que a usual para a inflação prospectiva e é compatível com a convergência da inflação para a meta no horizonte relevante, que inclui o ano-calendário de 2021 e, principalmente, o de 2022
(6) Próximos passos: Olhando para o passado (o desempenho do PIB em 2020), postulando que as expectativas estão acima da meta no horizonte relevante (apesar do Focus não mostrar isso para 2022 e 2023) e destacando que a inflação de 2021 se aproxima do limite superior da banda de oscilação, o Banco Central considera que o cenário não prescreve estímulo extraordinário. É uma declaração forte quando estamos em meio a uma nova rodada de isolamento social, piora sanitária e supressão da atividade. A elevação de 75bps tem como objetivo diminuir a chance de rompimento da banda em 2021 e garantir expectativas de longo prazo ancoradas. Para que tenha chance de efeito ainda em 2021, a elevação de juros precisa ser intensa e rápida; sob esta ótica, faz sentido que o BCB já tenha antecipado outro movimento de mesma magnitude para a reunião de maio. O plano de voo está traçado, mas não deixa de ser, na nossa visão, um tanto “arrojado”
Segundo o forward guidance adotado em sua 232ª reunião, o Os membros do Copom consideram que o cenário atual já não reduziria oprescreve um grau de estímulo monetário desde que determinadas condições fossem satisfeitas. Em vista das novas informações, o Copom avalia que essas condições deixaram de ser satisfeitas já que extraordinário. O PIB encerrou 2020 com crescimento forte na margem, recuperando a maior parte da queda observada no primeiro semestre, e as expectativas de inflação, assim como as projeções de inflação de seu cenário básico, estão suficientemente próximas passaram a se situar acima da meta de inflação para ono horizonte relevante de política monetária. Como consequência, o forward guidance deixa de existir e a condução da política monetária seguirá, doravante, a análise usual do Adicionalmente, houve elevação das projeções de inflação para níveis próximos ao limite superior da meta em 2021.
Por conseguinte, o Copom decidiu iniciar um processo de normalização parcial, reduzindo o grau extraordinário do estímulo monetário. Por todos os fatores enumerados anteriormente, o Comitê julgou adequado um ajuste de 0,75 ponto percentual na taxa Selic. Na avaliação do Comitê, uma estratégia de ajuste mais célere do grau de estímulo tem como benefício reduzir a probabilidade de não cumprimento da meta para a inflação deste ano, assim como manter a ancoragem das expectativas para horizontes mais longos. Além disso, o amplo conjunto de informações disponíveis para o Copom sugere que essa estratégia é compatível com o cumprimento da meta em 2022, mesmo em um cenário de aumento temporário do isolamento social.
Para a próxima reunião, a menos de uma mudança significativa nas projeções de inflação ou no balanço de riscos para a inflação prospectiva, o Comitê antevê a continuação do processo de normalização parcial do estímulo monetário com outro ajuste da mesma magnitude. O Copom ressalta que essa visão para a próxima reunião continuará dependendo da evolução da atividade econômica, do balanço de riscos, e das projeções e expectativas de inflação.
O Comitê reitera que o fim do forward guidance não implica mecanicamente uma elevação da taxa de juros pois a conjuntura econômica continua a prescrever, neste momento, estímulo extraordinariamente elevado frente às incertezas quanto à evolução da atividade.