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Decisão de política monetária – Comunicado do COPOM (ago/23): Capitulação

Bottom line: O Banco Central reduziu a taxa de juros em 50bps na reunião de agosto, em decisão dividida e limítrofe (5 votos pelo resultado, contando o presidente, e 4 votos por um corte de 25bps). Houve tentativa de passar uma mensagem de prudência, mesmo após o corte mais agressivo. Não acreditamos que isso será bem sucedido. Revisamos o nosso call para taxas Selic terminais de 11,50%a.a. em 2023 e de 9,00%a.a. em 2024. Com esse orçamento, as metas de inflação não serão cumpridas, mas o regime não será infringido (ou seja, a inflação projetada segue dentro da banda de oscilação até o fim do horizonte relevante). 

Em linha com a nossa expectativa, divulgada em relatório prévio à decisão, o Banco Central reduziu a taxa Selic em 50bps na sua reunião de agosto, levando-a a 13,25%a.a. A decisão foi dividida, como esperávamos, mas com resultado limítrofe – 5 votos pelo corte de 50bps, contando o presidente Campos Neto, e 4 votos pelo corte de 25bps. Na economia política do Comitê, o novo diretor de política monetária – e provável futuro presidente do BC – Gabriel Galípolo saiu fortalecido, e o campo visto como mais técnico e conservador – os diretores Diogo Guilhem, Fernanda Guardado e Renato Gomes – enfraquecido.

As projeções condicionais do Comitê praticamente não mudaram para o biênio 2023/2024, com orçamentos de juros levemente mais baixos (25bps a menos em cada um dos anos) e inflação projetada para 2024 em 3,4% – ou seja, sem cumprimento da meta. A “solução” para acomodar um corte de juros foi alongar o horizonte relevante para 2025, no qual se tem cumprimento da meta de 3,0% no modelo oficial. Este horizonte deveria ter menor peso na decisão do Comitê, mas é central para referendar o início da flexibilização monetária – em nossa opinião, seu peso de facto é maior do que o sugerido no Comunicado.

É necessário reconhecer, também, que houve alguma mudança na estrutura do balanço de riscos. No geral, ele ficou mais enxuto, contrapondo riscos externos altistas e baixistas para a inflação. Do lado dos riscos internos, no entanto, o balanço de riscos parece ter ficado mais assimétrico, reconhecendo, explicitamente, que a melhora recente do cenário inflacionário, mesmo que incompleta, ajudou a dar respaldo à decisão. Há mais segurança na desinflação, o que reforçou a posição do grupo mais proativo para a redução da taxa de juros. A postura mais dovish é reforçada por pequenos ajustes de linguagem no decorrer do texto, que, em termos líquidos, dão mais peso à convergência – inflação e expectativas caindo – do que ao cumprimento das metas – ancoragem parcial das expectativas e núcleos ainda acima das metas.

Como discutido anteriormente, a abertura do ciclo com um movimento de 50bps trará uma delicadeza adicional à comunicação prospectiva; há risco real de o Banco Central perder o controle da precificação da curva de juros, que pode passar a acelerar o ritmo de cortes a cada reunião. O final do Comunicado tenta conter esses riscos, ressaltando que;

  1. A política monetária se manterá restritiva adiante;
  2. O ritmo de 50bps é consistente com a convergência da inflação para a meta no horizonte relevante;
  3. O ritmo de 50bps será mantido nas próximas reuniões;
  4. A magnitude do ciclo segue em aberto; e
  5. A decisão foi dividida e limítrofe por um corte mais moderado de 25bps.

A despeito desses pontos, temos dúvidas se a estratégia de entregar um “corte de 50bps hawk” será válida. Organizando os contrapontos como acima:

  1. Por óbvio a política monetária será restritiva até que se alcance a neutralidade, mas, se o juro real de equilíbrio do BCB é 4,5%a.a., então o fim do ciclo, com cumprimento de meta, deveria ter Selic terminal de 7,50%a.a. – ou seja, há viés de baixa para o cenário de referência;
  2. O BCB não utiliza o termo “cumprimento de meta” em nenhum momento, e a inflação projetada para 2024, que ainda é a maior parte do horizonte relevante, está acima da meta; o compromisso com a meta segue “suave”;
  3. Se o ritmo de 50bps for mantido nas próximas reuniões, o cenário de referência não será mais válido. Assim, a Selic terminal de 2023 será, no máximo, de 11,75%a.a., ainda com viés de baixa, que pode ser transmitido, pelo menos, ao cenário de 2024;
  4. O orçamento de 475bps de cortes de juros é piso, posto que, com Selic terminal de 9,00%a.a, em 2025, se entrega projeção na meta de 2025 – e isso implicaria em juro real acima do neutro;
  5. Em nossa visão, é difícil vender a ideia de prudência quando o Presidente do Banco Central opta pela estratégia mais agressiva, em contraposição aos diretores vistos como “mais técnicos” na instituição.

Em conclusão, seguimos calibrando o nosso call em função de uma interpretação mais frágil do cumprimento das metas de inflação de 2024 em diante. Nosso modelo segue com potência inferior à sugerida pela modelagem da autoridade monetária. Mantendo, em nosso modelo, uma inflação projetada dentro da banda (ou seja, sem cumprimento da meta, mas sem infração do regime de metas) até 2025, esperamos taxas Selic terminais de 11,50%a.a. em 2023 e de 9,00%a.a. em 2024. O cenário da Selic em 2025 precisará ser calibrado mais adiante, em função do decreto que determinará as diretrizes gerais do funcionamento do Banco Central sob um regime de meta de inflação contínua.

Mais detalhes seguem abaixo. Como sempre, texto anterior em vermelho e novo texto sublinhado, com grifos onde julgamos relevante.

(1) Cenário externo: Tom muda, passando de adverso para incerto. Núcleos de inflação são elevados, mercados de trabalho apertados e há restrição monetária, mas se ressalta a desinflação na margem. Ventos externos ajudam, sendo o primeiro ponto da construção do cenário dovish

(2) Atividade doméstica: O Comitê manteve o cenário de desaceleração prospectiva, suprimindo a menção à agropecuária no 1o trimestre

(3) Inflação e expectativas: A mensagem de inflação acelerando, em 12 meses no segundo semestre foi mantida, mas o tom sobre a inflação subjacente mudou – de “incompatível com o cumprimento da meta” para “apresentou queda e ainda está acima da meta”. Esse é o segundo ponto da construção de uma narrativa dovish. O horizonte relevante começa a ser ampliado para 2025, o que é o terceiro ponto da construção da narrativa dovish, dando “tempo” para atingir a meta oficial.

(4) Projeções condicionais: As projeções de inflação para 2023 e 2024 praticamente não mudaram, mantendo, assim, um cenário de não cumprimento da meta de inflação estabelecida pelo CMN para o biênio. A “solução” para acomodar a flexibilização monetária foi alongar o horizonte para 2025, dando a ele mais peso do que deveria neste momento do ciclo (mesmo que isso não tenha sido escrito). Assim, o Banco Central sinaliza cumprimento da meta de 3,0% (ou seja, projeção 10bps inferior à observada no último RTI), postulando que o cenário de referência atual parece adequado – taxas terminais de 12,00%a.a. em 2023, de 9,25%a.a. em 2024 (ambas 25bps abaixo do COPOM de junho), e de 9,00%a.a. em 2025. Percebam que, para chegar a uma taxa terminal de 12,00%a.a. em 2023, necessariamente teríamos uma redução do ritmo para 25bps em alguma das três reuniões até o final do ano; o primeiro movimento de 50bps já “mata” o cenário de referência. 

(5) Balanço de riscos e decisão: O balanço de riscos ficou bem mais econômico, contrapondo persistência da inflação global e resiliência da inflação de serviços a uma desaceleração global mais intensa, associada a um ciclo de restrição monetária sincronizado. É possível dizer que o balanço “externo” segue razoavelmente simétrico, mas o balanço “interno” melhorou. Isso se confirma com um parágrafo que defende a melhora do quadro inflacionário, permitindo acumular confiança para um ciclo gradual de cortes de juros. E então cortaram 50bps…

(6) Próximos passos: Aqui há uma série de questões relevantes. Em primeiro lugar, o Comitê reforça que a política monetária será contracionista até que se consolide a desinflação e a ancoragem em torno das metas – não nas metas, o que é, portanto, um compromisso mais suave. Em segundo lugar, o ritmo de queda de 50bps nesta reunião seria consistente com convergência da inflação para a meta no horizonte relevante – não cumprimento, afinal a inflação não chega à meta em 2024, que ainda é a maior parte (deveria ser, pelo menos) do horizonte relevante. Em terceiro lugar, o Comitê tenta definir 50bps como o ritmo para as próximas reuniões, mas, se assim for, o cenário de referência utilizado pelo Comitê já não é válido (e, de fato, não é). Em quarto lugar, a magnitude do ciclo segue em aberto, mas as projeções condicionais sugerem que buscaremos, pelo menos, taxas de juros de 9,00%a.a. até o fim de 2024 (não por acaso, a atual precificação do mercado). E, por fim, se tenta vender um corte de 50bps “cauteloso” com uma divergência de 5 votos por 50bps e 4 votos por 25bps; é difícil comprar isso quando Campos Neto vota pelo corte mais agressivo…