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Decisão de política monetária – Comunicado do Copom (fev/23): Sem espaço para cortes de juros em 2023

01/02/2023

Bottom line: O Banco Central manteve a taxa de juros em 13,75%a.a. na sua reunião de fevereiro, como amplamente esperado, oferecendo novos insumos, na sinalização oficial, para a construção de uma visão mais hawkish. Reafirmamos nosso call de manutenção da taxa Selic em 13,75%a.a até o 2024.T2, iniciando, a partir dali, um suave ciclo de cortes que entregue Selic a 11,50%a.a. ao fim de 2024. Projetamos inflação de 4,8% em 2023 (abaixo da oficial, com diferença nos preços administrados) e de 3,4% em 2024 (tal como a oficial, mas com preços livres mais elevados). O espaço para cortes de juros em 2023 parece ter se exaurido, e vai ficando menor também em 2024.

O Banco Central manteve a taxa Selic em 13,75%a.a. na reunião de fevereiro, como amplamente esperado. Tal como indicamos em nosso comentário prévio à reunião***, esta decisão de política monetária seria muito mais complicada do que a manutenção dos juros sugeriria, com inúmeras nuances e incertezas que tornavam a comunicação oficial delicada. O Banco Central acabou fazendo mais mudanças na sinalização do que esperávamos, e na direção correta. Fomos surpreendidos positivamente.

A mudança para um tom mais hawkish foi feita de forma sóbria, priorizando ajustes nas projeções condicionais do Comitê. Em seu cenário de referência, houve elevação das projeções de inflação em todo o horizonte relevante (2023 e 2024), emanando de revisões para cima nas projeções de preços livres. O IPCA projetado pelo Banco Central é, agora, de 5,6% em 2023 (acima da meta e do limite superior da banda neste ano) e de 3,4% em 2024 (acima da meta do ano que vem), com preços livres de, respectivamente, 3,9% e 2,9% – aproximadamente 30bps acima do projetado no último Copom, e com orçamento de juros mais elevado tanto em 2023 (75bps superior) como em 2024 (100bps superior). 

O cenário oficial obviamente piorou, ainda que nos soe otimista – segue o descasamento em relação à nossa projeção, que sempre enxerga inflação de livres mais elevada e, pior, mais próxima do realizado no passado (já nem tão) recente. A dúvida sobre a convergência “aceitável” para 2024 segue presente; 40bps de diferença para a meta enquadra, ou não, em “convergência para o redor das metas ao longo do horizonte relevante”?

Mais importante, e com timing inesperado (acreditávamos que ocorreria na reunião de março, aproveitando também o evento de comunicação do Relatório Trimestral de Inflação), o Banco Central ofereceu cenário alternativo com Selic constante em 13,75%a.a. até o fim de 2024. Neste cenário, a inflação de 2023 quase não muda (o que é correto, dadas as defasagens com que a política monetária atua), e o cenário do fim do horizonte relevante (2024.T3 e fim de 2024) mostra IPCA aproximadamente 50bps mais baixo. Com juros estáveis no patamar atual, a projeção de inflação de 2024 fica somente 20bps abaixo do meta (o que é difícil de não entender como “ao redor”). O recado é evidente: o espaço para cortes de juros é cada vez menor, e considerar cortes em 2023 (quiçá início de 2024) parece ser, pelas projeções oficiais, irreal.

A revisão negativa emana das incertezas fiscais, e, em termos objetivos, de uma deterioração das expectativas de inflação de longo prazo, que se afastam das metas de inflação. O balanço de riscos não ficou propriamente assimétrico, mas os condicionantes (na política fiscal e na visão prospectiva do mercado para a inflação) deixaram claro o desconforto oficial. Isso posto, o debate muda para discutir a suficiência, em termos de convergência inflacionária, de utilizar juros mais elevados do que os presentes no cenário de referência. A projeção alternativa do Comitê sugere que o orçamento de cortes de juros que o mercado (Focus) hoje utiliza é exagerado.

Reafirmamos o nosso call de manutenção da taxa Selic em 13,75%a.a. até o 2024.T2, iniciando, a partir de então, um suave ciclo de cortes para Selic terminal de 11,50%a.a em 2024. Incorporando este orçamento de juros mais elevado que o utilizado pelo BCB em seu cenário de referência, projetamos inflação mais baixa que a oficial em 2023 (4,8% vs. 5,6%), com diferença emanando dos preços administrados. Para 2024, temos a mesma inflação projetada (3,4%), mas com preços livres mais elevados que os oficiais (3,4% vs. 2,9%). 

Mais detalhes seguem abaixo. Como sempre, texto anterior em vermelho e novo texto sublinhado, com grifos onde julgamos relevante.

(1) Cenário externo: A visão geral do cenário externo segue cautelosa, mas com evidente melhora – inflação mais positiva, resiliência da atividade e alívio advindo do relaxamento das restrições sanitárias chinesas.

O ambiente externo mantém-se adverso e volátil,segue marcado pela perspectiva de crescimento global abaixo do potencial no próximo ano, alta volatilidade nos ativos financeiros e um ambiente inflacionário ainda pressionado, embora com sinais mais positivos na margem. A política monetária nos países avançados em direção a taxas restritivas e a maior sensibilidade dos mercados a fundamentos fiscais requerem maior cuidado por parte de países emergentesEntretanto, dados recentes de atividade global têm sido relativamente resilientes e o relaxamento de restrições sanitárias na economia chinesa alivia a possibilidade de novas disrupções nas cadeias de suprimento globais

(2) Atividade doméstica: Sem novidades, mantendo o cenário de desaceleração do crescimento.

Em relação à atividade econômica brasileira, a divulgação do PIB apontou ritmo de crescimento mais moderado no terceiro trimestre. Oo conjunto dos indicadores mais recentes corroborasegue corroborando o cenário de desaceleração esperado pelo Copom

(3) Inflação e expectativas: Pequenos ajustes de linguagem, tipificando agora a inflação subjacente e o headline como acima do compatível com o cumprimento das metas. Expectativas subiram em todo o horizonte relevante

Apesar da queda recente, especialmente em itens voláteis e afetados por medidas tributárias,Não obstante algum arrefecimento, tanto a inflação ao consumidor continua elevada Asquanto suas diversas medidas de inflação subjacente seguem acima do intervalo compatível com o cumprimento da meta para a inflação.
 
As expectativas de inflação para 2022, 2023 e 2024 apuradas pela pesquisa Focus encontram-se em torno de 5,9%, 5,17% e 3,59%, respectivamente

(4) Projeções condicionais: O cenário oficial piorou, mas ainda nos parece benigno. As projeções de inflação se elevaram em todo o horizonte relevante, estando fora das metas tanto em 2023 (5,6%, 60bps acima da projeção anterior) como em 2024 (3,4%, 40bps acima da projeção anterior). Note-se que o orçamento de juros de referência é mais elevado desta vez, com Selic de 12,50% ao fim de 2023 (11,75%a.a. na reunião anterior) e de 9,50% ao fim de 2024 (8,50% na reunião anterior), e, mesmo assim, a inflação de preços livres, implícita no cenário divulgado, aumenta para 3,9% em 2023 e 2,9% em 2024 – em ambos os casos, 30bps acima das projeções feitas em dez/22. Com orçamento de juros mais elevado que o oficial (13,75%a.a. em 2023 e 11,50% em 2024), projetamos inflação de preços livres de 4,0% em 2023 e de 3,4% em 2024.

NoAs projeções de inflação do Copom em seu cenário de referência, a trajetória para a taxa de juros é extraída da pesquisa Focus e a taxa de câmbio parte de USD/BRL 5,25*, evoluindo segundo a paridade do poder de compra (PPC). O preço do petróleo segue aproximadamente a curva futura pelos próximos seis meses e passa a aumentar 2% ao ano posteriormente. Além disso, adota-se a hipótese de bandeira tarifária “verde” em dezembro de 2022 e “amarela” em dezembro de 2023 e de 2024. Nesse cenário, as projeções de inflação do Copom situam-se em 5,6,0% para 2022, 5,0% para 2023 e 3,04% para 2024. As projeções para a inflação de preços administrados são de -310,6% para 2022, 9,1% para 2023 e 4,25,0% para 2024. O Comitê optou novamente por dar ênfase ao horizonte de seis trimestres à frente, que reflete o horizonte relevante, suaviza os efeitos diretos decorrentes das mudanças tributárias, mas incorpora os seus impactos secundários. Nesse horizonte, referente ao segundoterceiro trimestre de 2024, acuja projeção de inflação acumulada em doze meses situa-se em 3,3%. 6%.

(4b) Projeções condicionais alternativas: Em movimento com timing inesperado (acreditávamos que ocorreria em março, inclusive aproveitando o RTI), o BCB ofereceu cenário alternativo com juros constantes em 13,75%. Com isso, houve mínima oscilação da projeção de 2023 (o que faz sentido, dadas as defasagens com que a política monetária opera) e redução de pouco mais de 50bps nas projeções do 2024.T3 e do fim de 2024 – sendo que, agora, a última fica levemente abaixo da meta. A mensagem é clara e hawkish – no cenário oficial, o espaço para cortes de juros em 2023 (quiçá início de 2024) se exauriu.

Em cenário alternativo, no qual a taxa Selic é mantida constante ao longo de todo o horizonte relevante, as projeções de inflação situam-se em 5,5% para 2023, 3,1% para o terceiro trimestre de 2024 e 2,8% para 2024. O Comitê julga que a incerteza em torno das suas premissas e projeções atualmente é maior do que o usual.

(5) Balanço de riscos e decisão: Em linha com nossa expectativa em comentário prévio à reunião, o Comitê não promoveu uma guinada na sua avaliação de riscos, mas introduziu alguma assimetria ao destacar a incerteza fiscal e a elevação das expectativas de inflação em horizontes mais longos. O BCB não está com o dedo no gatilho, mas há desconforto com a evolução do cenário; reiniciar o ciclo de elevação dos juros começa a se tornar uma realização (uma ameça?) mais plausível…

O Comitê ressalta que, em seus cenários para a inflação, permanecem fatores de risco em ambas as direções. Entre os riscos de alta para o cenário inflacionário e as expectativas de inflação, destacam-se (i) uma maior persistência das pressões inflacionárias globais; (ii) a ainda elevada incerteza sobre o futuro do arcabouço fiscal do país e estímulos fiscais adicionais que impliquemimplicam sustentação da demanda agregada, parcialmente incorporados nas expectativas de inflação e nos preços de ativos; e (iii) um hiato do produto mais estreito que o utilizado atualmente pelo Comitê em seu cenário de referência, em particular no mercado de trabalho. Entre os riscos de baixa, ressaltam-se (i) uma queda adicional dos preços das commodities internacionais em moeda local; (ii) uma desaceleração da atividade econômica global mais acentuada do que a projetada; e (iii) a manutenção dos cortes de impostos projetados para serem revertidos em 2023. A conjuntura, particularmente incerta no âmbito fiscal, requer serenidade na avaliação dos riscos.  O Comitê acompanhará com especial atenção os desenvolvimentos futuros da política fiscal e, em particular, seus efeitos nos preços de ativos e expectativas de inflação, com potenciais impactos sobre a dinâmica da inflação prospectiva

A conjuntura, particularmente incerta no âmbito fiscal e com expectativas de inflação se distanciando da meta em horizontes mais longos, demanda maior atenção na condução da política monetária.  O Comitê avalia que tal conjuntura eleva o custo da desinflação necessária para atingir as metas estabelecidas pelo Conselho Monetário Nacional. Nesse cenário, o Copom reafirma que conduzirá a política monetária necessária para o cumprimento das metas.

Considerando os cenários avaliados, o balanço de riscos e o amplo conjunto de informações disponíveis, o Copom decidiu manter a taxa básica de juros em 13,75% a.a. O Comitê entende que essa decisão reflete a incerteza ao redor de seus cenários e um balanço de riscos com variância ainda maior do que a usual para a inflação prospectiva, e é compatível com a estratégia de convergência da inflação para o redor da meta ao longo do horizonte relevante, que inclui os anos de 2023 eem grau maior, de 2024. Sem prejuízo de seu objetivo fundamental de assegurar a estabilidade de preços, essa decisão também implica suavização das flutuações do nível de atividade econômica e fomento do pleno emprego.

(6) Próximos passos: Subindo marginalmente o tom, o debate passa a ser sobre a suficiência da manutenção da taxa de juros, por mais tempo que no cenário de referência, para assegurar a convergência da inflação e conter a deterioração das expectativas. O cenário alternativo estimado pelo Comitê sugere que isso já é praticamente um cenário central, exaurindo o espaço para cortes de juros em 2023.

O Comitê se manterásegue vigilante, avaliando se a estratégia de manutenção da taxa básica de juros por período suficientementemais prolongado do que no cenário de referência será capaz de assegurar a convergência da inflação. O Comitê reforça que irá perseverar até que se consolide não apenas o processo de desinflação como também a ancoragem das expectativas em torno de suas metas., que têm mostrado deterioração em prazos mais longos desde a última reunião. O Comitê enfatiza que os passos futuros da política monetária poderão ser ajustados e não hesitará em retomar o ciclo de ajuste caso o processo de desinflação não transcorra como esperado

Votaram por essa decisão os seguintes membros do Comitê: Roberto de Oliveira Campos Neto (presidente), Bruno Serra Fernandes, Carolina de Assis Barros, Diogo Abry Guillen, Fernanda Magalhães Rumenos Guardado, Maurício Costa de Moura, Otávio Ribeiro Damaso, Paulo Sérgio Neves de Souza e Renato Dias de Brito Gomes

***Nosso comentário prévio à decisão está disponível em https://brcg.com.br/destaque-brcg/