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Política Fiscal: Expectativas à deriva
Matheus Ribeiro (matheus.ribeiro@brcg.com.br)
Livio Ribeiro (livio.ribeiro@brcg.com.br)
14/04/2025
Bottom line: As regras fiscais vigentes são insustentáveis até o final da década. Exige-se uma reformatação do Estado, de forma a caber na institucionalidade fiscal, ou, de forma alternativa, uma flexibilização desta, de forma a acomodar um Estado cada vez maior. Não se sabe qual será o caminho a seguir, gerando grande incerteza prospectiva. As expectativas fiscais se encontram à deriva.
Este será um texto diferente a respeito da política fiscal brasileira. Normalmente, fazemos análises específicas de divulgações orçamentárias e legislativas, estimamos os impactos de medidas do governo e traçamos cenários para indicadores fiscais. Dessa vez, queremos jogar luz sobre a incerteza fiscal que nos espera adiante – a qual ganha pouca atenção, e que talvez muitos ainda não tenham percebido.
Temos sido exaustivos em apontar o esgotamento da máquina pública, tal como hoje organizada, até o fim da década. Como o ritmo de crescimento das despesas obrigatórias e discricionárias rígidas é superior ao estabelecido no arcabouço fiscal, a pressão sobre as despesas livres no orçamento crescerá a níveis operacionalmente inviáveis antes do fim da década – ou seja, a provisão de bens públicos essenciais não será possível. Tratamos dessa questão em meados de 2024[1]. Em janeiro de 2025, revisitamos o tema para mostrar que o pacote fiscal de redução de despesas, de dezembro de 2024, adiou o momento da ruína operacional, mas sem resolver as inconsistências estruturais de nosso Estado.
O próximo governo, quem quer que seja, já tem um encontro marcado com os fatos. Sem novas mudanças estruturais, e profundas, na política fiscal brasileira, o arcabouço fiscal será operacionalmente inviável até o fim do próximo governo. E desafios relevantes para o funcionamento do Estado já podem aparecer na execução do Orçamento Geral da União de 2027[2] – que, lembremos, terá princípios gerais definidos no último ano do atual governo.
Politicamente, a janela de oportunidade para a revisão da dinâmica do gasto parece ter se fechado até as eleições de 2026. Após o pacote fiscal do fim do ano passado, o governo não sinalizou novas medidas robustas de revisão da dinâmica de crescimento dos gastos para 2025, e é altamente improvável que essa seja uma agenda para o ano eleitoral de 2026. Políticas contínuas de pente-fino nos benefícios sociais, importantes e benéficas, foram colocadas em marcha, mas não compensam os efeitos nocivos das regras de crescimento dos gastos obrigatórios[3]. Com a institucionalidade atual, não há equilíbrio possível do lado das despesas.
A partir de março de 2025, a ministra Simone Tebet foi a primeira voz do governo a apontar uma janela para a discussão da situação. Mais do que sinalizar a necessidade de correções, Tebet indicou uma janela de oportunidade, logo após as eleições presidenciais de 2026, para uma ampla discussão da situação. Em eventos distintos[4], a ministra apontou que (i) sem alterações, o arcabouço fiscal não se sustentará ao longo do próximo governo; (ii) há uma janela de oportunidade estreita para as discussões, entre o fim do pleito e a posse do novo presidente; e (iii) um possível caminho seria rever renúncias fiscais, reforçando, mais uma vez, a preferência deste governo por ajustes pelo lado das receitas. Instado a comentar e desenvolver os pontos de Tebet, o ministro Fernando Haddad saiu pela tangente[5].
Discutir a revisão das instituições fiscais, em contexto eleitoral, não é uma novidade. Em 2022, as principais candidaturas à Presidência sinalizavam que haveria alguma revisão do Teto de Gastos após o pleito, de forma a permitir uma expansão real da despesa primária. Havia pressão crescente sobre o orçamento discricionário, que vinha sendo apaziguada com os “furos no Teto”[6], além de “consenso” quanto à necessidade de aumentar gastos recorrentes, como transferências de renda. Esses fatores levaram as candidaturas presidenciais participantes do segundo turno das eleições a indicar uma revisão nas regras fiscais, autorizando mais despesas. Após a eleição, essa pressão se traduziu na Emenda Constitucional da Transição (EC 126/22) e, posteriormente, no Novo Arcabouço Fiscal (LC 200/23).
Dessa vez, também sabemos que será necessária uma revisão das regras fiscais vigentes. A diferença é que, diferentemente de 2022, a direção desse ajuste é incerta. De um lado, pode-se adotar uma revisão expressiva da dinâmica do gasto público, fazendo com que o Estado caiba dentro das regras fiscais vigentes. De outro lado, e em um extremo oposto, as regras fiscais podem ser novamente revistas, acomodando um crescimento adicional do gasto público, para além do que será compatível no Novo Arcabouço Fiscal – ou seja, nessa situação, as regras fiscais é que deveriam acomodar o Estado. Note-se que diversas soluções entre esses extremos podem surgir. Até agora, o esboço de solução do governo passaria pela revisão das renúncias fiscais, ampliando a arrecadação líquida e, assim, gerando mais espaço primário para acomodar despesas – o que exigiria, do lado dos dispêndios, uma revisão do seu limite de crescimento.
A formação de expectativas fiscais, no momento, encontra-se à deriva. A âncora fiscal vigente é insustentável e pode ser difícil de cumprir já no primeiro ano do novo governo. Não há uma sinalização clara de como o Congresso ou os diferentes grupos políticos pretendem solucionar essa questão, ainda que exista uma janela tentativa para ajuste, na transição entre o atual termo presidencial e o próximo. As múltiplas opções possíveis tornam a tarefa de projetar e avaliar cenários fiscais particularmente incerta, dificultando a formação de expectativas consistentes sobre o tema.
É necessário ter em mente que enormes mudanças podem ocorrer, inclusive para não mudar absolutamente nada. A depender do curso de ação escolhido, grandes mudanças nas dinâmicas de receitas e despesas podem ocorrer em somente um par de anos. Com potenciais guinadas na política fiscal, a previsibilidade dos agentes diminui, e isso tem impactos sobre as decisões de investimento e consumo que nem sempre são reconhecidas.
É importante ressaltar que este não é o único ponto da política fiscal prospectiva que gera incerteza para os agentes. Não podemos esquecer da ampliação da Isenção do IR e da Reforma Tributária, temas que modificarão a relação entre a sociedade e o Erário. No caso da Isenção do IR, há incertezas elevadas sobre quais setores serão, ou não, afetados pela compensação da ampliação da Isenção do IR. O texto do projeto está em análise no Congresso, podendo abarcar revisão de renúncias fiscais. No caso da Reforma Tributária, como abordamos em Destaque BRCG publicado em janeiro[7], tudo indica que será necessária uma revisão das alíquotas excepcionais existentes no novo IVA, já no início da próxima década. Em ambiente de exacerbada incerteza externa, não devemos ter a dinâmica doméstica como um fator de descompressão no horizonte relevante.
DISCLAIMER
Este relatório foi produzido pela BRCG utilizando dados públicos compilados até 13 de abril de 2024 e possui caráter meramente informativo. O relatório é destinado a clientes e investidores institucionais, não podendo a BRCG e/ou os seus analistas serem responsabilizados por quaisquer perdas, diretas ou indiretas, derivadas de sua utilização. Este relatório não pode ser reproduzido, distribuído ou publicado por qualquer pessoa ou instituição, para quaisquer fins, sem a estrita autorização da BRCG.
[1] Ver: https://brcg.com.br/encontro-marcado-ate-o-fim-da-decada-pressao-nas-despesas-e-a-implosao-das-instituicoes-fiscais/ .
[2] Ver: https://brcg.com.br/politica-fiscal-as-questoes-em-aberto-apos-o-pacote/ .
[3] As regras vigentes implicam em perspectivas de reajuste real de benefícios previdenciários, assistenciais e de mínimos constitucionais de Saúde e Educação, dentre outras despesas. Até 2022, as regras de reajuste dessas despesas eram mais contidas.
[4] Ver https://valor.globo.com/politica/noticia/2025/03/13/tebet-diz-que-prximo-presidente-no-conseguir-governar-com-atual-arcabouo-fiscal.ghtml e https://valor.globo.com/brasil/noticia/2025/03/26/ajuste-fiscal-robusto-sera-preciso-pos-2026-diz-tebet.ghtml
[5] Ver https://valor.globo.com/brasil/rumos-2025/noticia/2025/03/24/haddad-diz-ter-aval-de-lula-para-perseguir-metas-fiscais.ghtml
[6] Exceções legais que permitiram ao governo gastar acima do limite estabelecido pelo teto de gastos. Ver: https://brcg.com.br/encontro-marcado-ate-o-fim-da-decada-pressao-nas-despesas-e-a-implosao-das-instituicoes-fiscais/
[7] Ver: https://brcg.com.br/o-trilema-da-reforma-tributaria-e-a-solucao-a-brasileira/