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Pós-Copom (fev/23): A política monetária em transe

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Pós-Copom (fev/23): A política monetária em transe

Livio Ribeiro (livio.ribeiro@brcg.com.br)

15/02/2023

Bottom line: Em meio a inúmeros debates, análises e ameaças, vemos uma política monetária operando “em transe”, com o Banco Central tendo dificuldades na sua comunicação e no seu posicionamento público. Os ruídos e incertezas devem continuar nos próximos meses, com a manutenção dos juros nos patamares atuais. Reafirmamos o nosso call, ainda não consensual, de manutenção das taxas de juros em 13,75%a.a. até o segundo trimestre de 2024, seguido de suave ciclo de cortes até 11,50%a.a. ao fim do ano que vem.

Em sua primeira decisão de política monetária de 2023, o Banco Central manteve a taxa Selic estável em 13,75%a.a., resultado universalmente esperado pelos analistas. Sem quaisquer surpresas na definição dos juros, e com a taxa referencial parada há aproximadamente seis meses, um desavisado poderia imaginar que a política monetária brasileira está em piloto automático, à espera de inovações que justifiquem mudanças na taxa básica da economia. Nada mais afastado da realidade.

Sempre argumentamos[1] que, apesar de não haver espaço para surpresas numéricas, a decisão de política monetária de fevereiro seria bastante complicada, com inúmeras nuances e incertezas que tornavam a sua comunicação muito delicada. Um novo governo, uma explícita propensão ao aumento dos gastos públicos, indefinições quanto às regras do jogo, especialmente em matéria fiscal, e mudanças nas condições de contorno globais tornavam o ambiente de tomada de decisão bem mais confuso. O espaço para ruídos na comunicação, seja com o governo ou com o mercado, parecia ser maior neste início de 2023.

Como sempre, os pilares da comunicação do Banco Central foram o Comunicado e a Ata da reunião de política monetária. E, ao menos em nossa visão, trouxeram tons bastante distintos, o que pode ser reflexo das enormes pressões enfrentadas antes, durante e depois da decisão da autarquia.

No Comunicado, a mensagem do Banco Central nos pareceu bastante direta, com mudanças que nos surpreenderam positivamente pela sobriedade e contundência. A construção de uma narrativa mais dura foi feita através das novas projeções condicionais do Comitê, comunicando uma posição claramente mais hawkish.

Em seu cenário de referência, houve elevação das projeções de inflação em todo o horizonte relevante, com IPCA de 5,6% em 2023 (anterior: 5,0%) e de 3,4% em 2024 (anterior: 3,0%) – ou seja, sem cumprimento da meta tanto neste ano como no próximo, e inflação acima da banda superior de oscilação em 2023. Note-se que este resultado veio acompanhado de aumento das taxas de juros utilizadas na simulação oficial, com Selic terminal de 12,50%a.a. em 2023 (anterior: 11,75%a.a.) e de 9,50%a.a. em 2024 (anterior: 8,50%a.a.), e esteve primordialmente associado a uma maior projeção nos preços livres, majorados em aproximadamente 30bps durante todo o horizonte estimado.

Assim, uma leitura mais atenta dos resultados e das premissas do Banco Central indica, de forma bastante clara, que a sua avaliação do processo inflacionário piorou. No entanto, em nossa visão, o cenário oficial segue otimista: como tem ocorrido há muito tempo, enxergamos inflação de preços livres mais elevada durante todo o horizonte relevante, mesmo em cenário de manutenção dos juros em 13,75%a.a. até o 2º trimestre de 2024[2]. Mais ainda, seguimos em dúvida sobre o que é a convergência aceitável para 2024: 40bps de diferença entre a inflação projetada pelo Banco Central e a meta enquadra, ou não, em “convergência para o redor das metas ao longo do horizonte relevante”?

Reforçando a ideia de piora na avaliação prospectiva, o Banco Central ofereceu, no Comunicado, um cenário alternativo, com Selic constante em 13,75%a.a. até o fim do ano que vem. O timing do exercício nos surpreendeu (esperávamos que ocorresse em março, fosse na decisão de política monetária ou no Relatório Trimestral de Inflação), mas a direção do resultado, não. A projeção de inflação de 2023 praticamente não mudou, consistente com as defasagens de operação da política monetária, e o cenário projetado para o fim do horizonte relevante (3º trimestre e fim de 2024) reduziu-se entre 50bps e 60bps.

Ou seja, com juros estáveis no atual patamar, o modelo oficial (que nós consideramos “benigno”) gerou inflação projetada de 2,8% no fim de 2024. Ainda que abaixo da meta, um patamar de inflação que deveria ser consistente com uma “convergência para o redor da meta”. Diante desse resultado, o recado nos pareceu evidente: o espaço para cortes de juros é cada vez menor, e considerar grandes cortes em 2023 (quiçá no início de 2024) parece ser, hoje, um cenário bem menos provável. Nosso call de manutenção dos juros até o início de 2024, por muito tempo não-consensual, começou a entrar no radar oficial.

Para além das projeções, que contam uma história clara, é necessário entender as razões que levaram a uma reavaliação tão negativa do cenário oficial. No Comunicado, a mensagem foi direta: a revisão emanou das incertezas fiscais e de uma deterioração das expectativas de inflação de longo prazo, que se afastam cada vez mais das metas oficiais. Note-se que o balanço de riscos não ficou propriamente assimétrico, mas o desconforto da autoridade monetária com os sinais da política fiscal e das expectativas foi evidente.

O debate, implícito no Comunicado, passou a ser sobre o aumento do orçamento de juros, frente ao utilizado no cenário de referência, para permitir a convergência inflacionária. A projeção alternativa do Comitê indicou que os cortes implícitos no Focus podem ser, hoje, exagerados, e que a ameaça de reinício da elevação dos juros, já presente na comunicação do final de 2022, deveria ser levada mais a sério.

É necessário lembrar que a reunião mais recente do Copom já foi feita sob artilharia pesada contra a instituição, com diversas críticas públicas, inclusive do presidente Lula, a respeito de sua atuação, objetivos e neutralidade política. O tom duro do Comunicado, nisso incluindo os seus alertas e o desconforto explícito com os rumos do debate, certamente não distendeu as relações com o Executivo. Muito pelo contrário; ampliou os ataques ao Banco Central e aumentou a tração de discussão sobre uma elevação das metas de inflação, com o objetivo de permitir cortes de juros mais rápidos e intensos do que os presentes nos preços de mercado.

Sob este pano de fundo é que se deve entender a Ata da reunião de fevereiro, divulgada uma semana após a decisão de política monetária. Se o Comunicado foi um instrumento de comunicação conciso e objetivo, a Ata foi exatamente o contrário: extremamente longa e com uma mensagem final bem mais difusa. A grande questão foi o excesso de mensagens e análises, expressas em um documento com quase 50% a mais de parágrafos do que o anterior (e muito acima do padrão observado na administração Campos Neto). Com um frenesi de temas e debates, a potência da comunicação se perdeu.

A Ata tentou avançar no debate sobre uma eventual necessidade de maior restrição monetária, aprofundando as discussões sobre a piora das expectativas em prazos mais longos e as incertezas fiscais. Tivemos, no entanto, particular dificuldade em extrair resultantes dos novos comentários oficiais.

No caso da piora das expectativas, a autoridade monetária elencou três motivos para explicar o movimento recente: (i) uma percepção de leniência no combate à inflação por parte dos agentes econômicos, (ii) uma maior pressão sobre a demanda agregada, resultante de expansão fiscal e (iii) ecos do debate sobre a elevação das metas de inflação. Posicionou-se de forma ativa somente no segundo motivo, deixando claro que excessos fiscais deverão ser combatidos com maior atuação monetária. O Banco Central seguiu não reconhecendo sua parcela de culpa na piora das expectativas – a mudança de “cumprimento das metas” para “convergência para o redor ao longo do horizonte relevante” certamente sugere mais leniência no combate à inflação – e teve postura excessivamente passiva no debate sobre mudanças da meta, postulando que simplesmente cumpre o definido pelo CMN.

Já no debate sobre a política fiscal, resultou claro que o Banco Central utiliza, em seus modelos, os números oficiais (ou seja, aqueles aprovados na lei orçamentária), sem incorporar efeitos do pacote fiscal proposto pela Fazenda. Isso pode ter tanto uma interpretação dovish (com o pacote, o impulso primário seria menor do que o utilizado atualmente em seus modelos, dando viés de baixa para a inflação projetada), quanto uma interpretação de “estender a mão” à Fazenda, ressaltando a importância da coordenação entre o monetário e o fiscal. Não sabemos ao certo qual foi a intenção da comunicação oficial, mas a mensagem certamente foi mais branda do que a presente no Comunicado.

É de se ressaltar, também, que o balanço de riscos mostrou evoluções para todos os lados, com elementos dovish (comportamento recente da atividade global e local, recuo dos preços de commodities em moeda local), neutros (inflação de serviços cadente, mas ainda incompatível com as metas) e hawkish (incerteza sobre o arcabouço fiscal de médio prazo, preocupação com pressões inflacionárias, decorrentes de expansão fiscal, em cenário de hiato apertado, e risco de hiato mais estreito que o utilizado no cenário central). Tecnicamente, está tudo correto[3] , mas em termos da construção de uma narrativa, ficou-se sem clareza de direção e propósito dos comentários.

Por fim, é necessário destacar que, ao menos em sua comunicação escrita, o Banco Central não expôs a sua visão sobre o debate da mudança das metas de inflação, tema que ganhou enorme tração ainda antes da reunião do Copom. Há muitas opiniões, tipicamente sem embasamento adequado, e grande pressão para uma elevação das metas de inflação de 2024 em diante.

Entendemos não haver meta certa ou errada, mas sim meta factível frente às condições de contorno nas quais opera a política monetária. É verdade que o cenário inflacionário global é mais desafiador, depois de múltiplos choques, na demanda e na oferta, além de persistência mais intensa do fenômeno inflacionário no pós-pandemia. É de se ressaltar, também, que as incertezas internas são galopantes, especialmente na coordenação entre as políticas públicas durante os próximos anos – tema, inclusive, tratado em destaque na nossa avaliação do cenário macroeconômico brasileiro de 2023[4].

Isso posto, a discussão sobre mudanças nas metas deveria partir de uma avaliação cuidadosa do que são mudanças estruturais e do que são choques, mesmo que persistentes. O debate sobre uma meta mais elevada não deveria ser motivado pela aceitação de uma inflação mais alta, que permitisse, assim, menores taxas de juros e, pretensamente, mais crescimento no curto prazo. Tal raciocínio desconsidera que agentes reagem a incentivos e que as expectativas de inflação tendem a aumentar frente a estas “motivações”.

Um posicionamento mais claro do Banco Central se faz necessário: a defesa do regime de metas de inflação, e de sua adequada operação, precisa ser reforçada. É possível que a Ata tenha sido um primeiro movimento nesta direção. Mas, em nossa opinião, a mensagem não foi clara, mesmo pontuando que, com tantas incertezas e ruídos, o espaço para cortes de juros vai se exaurindo e que atuação do Banco Central tenderá a ser mais cautelosa.

Em conclusão, em meio a tantos debates, análises e ameaças, entendemos que a política monetária opera “em transe”, com o Banco Central tendo dificuldades na sua comunicação e no seu posicionamento público. Os fatos geradores de ruídos e incertezas – a desancoragem das expectativas de inflação, as incertezas fiscais, os ataques à instituição e a manutenção da Selic nos patamares atuais – devem continuar nos próximos meses.

Reafirmamos o nosso call de manutenção das taxas de juros em 13,75%a.a. até o segundo trimestre de 2024, seguido de suave ciclo de cortes até 11,50%a.a. ao fim do ano que vem. Segue sendo uma posição não-consensual, mas que vai ganhando cada vez mais adeptos. Nosso call agressivo é motivado pelas incertezas na coordenação entre as políticas monetária e fiscal, que entendemos ser o grande desafio da economia brasileira durante os próximos trimestres. A batalha mal começou.

  

DISCLAIMER

Este relatório foi produzido pela BRCG utilizando dados públicos compilados até 15 de fevereiro de 2023 e possui caráter meramente informativo. O relatório é destinado a clientes e investidores institucionais, não podendo a BRCG e/ou os seus analistas serem responsabilizados por quaisquer perdas, diretas ou indiretas, derivadas de sua utilização. Este relatório não pode ser reproduzido, distribuído ou publicado por qualquer pessoa ou instituição, para quaisquer fins, sem a estrita autorização da BRCG.

[1] Mais informações disponíveis em Destaque BRCG | Prévia do Copom (fev/23): Um momento delicado. Disponível em https://brcg.com.br/destaque-brcg/

[2] Nossas projeções para preços livres são de 4,0% em 2023 e de 3,4% em 2024, frente ao cenário oficial de 3,9% em 2023 e de 2,9% em 2024, com projeção de IPCA de, respectivamente, 4,8% e 3,5%.

[3] E, inclusive, em linha com o que esperávamos para esta discussão, tal como exposto em nosso comentário prévio ao Copom.

[4] Mais informações disponíveis em Destaque BRCG | Brasil: 2023 em cinco (longos) parágrafos. Disponível em https://brcg.com.br/destaque-brcg/