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Prévia do Copom (fev/23): Um momento delicado

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Prévia do Copom (fev/23): Um momento delicado

Livio Ribeiro (livio.ribeiro@brcg.com.br)

31/01/2023

Bottom line: Em muitos aspectos, a decisão de política monetária de fevereiro será um “não-evento”, com manutenção da taxa Selic em 13,75%a.a. e reforço das preocupações fiscais. Sob a superfície, no entanto, há uma série de nuances e incertezas que tornam a comunicação prospectiva cada vez mais desafiadora. É um momento delicado para a autoridade monetária.

Em muitos aspectos, a decisão de política monetária de fevereiro será um “não-evento”: é universalmente esperado que a Selic seja mantida em 13,75%a.a., sem qualquer sinalização objetiva sobre quando ocorrerá o próximo movimento da taxa básica de juros, mesmo que mantendo a opção por novas elevações, se o cenário assim exigir. Além disso, tendo colocado o debate fiscal em “cores mais vivas” (especialmente na Ata da reunião de dezembro), esperamos que o Banco Central reforce os comentários sobre as implicações negativas de uma política fiscal mais expansionista sobre o seu mandato.

Os tópicos acima certamente vão configurar a espinha dorsal da decisão desta semana. Há, no entanto, nuances relevantes, trazendo alguma incerteza para as escolhas de comunicação do Comitê. Elencamos abaixo quatro itens que merecem considerações, sobre quais temos dúvidas a respeito do tratamento que será dado pela autoridade monetária.

Em primeiro lugar, mesmo que o debate fiscal tenha ganhado corpo, não resulta claro que o balanço de riscos se tornará assimétrico nesta reunião – mantendo, assim, a simetria que já nos incomoda há algumas reuniões do Copom. Tanto os vetores positivos apontados pelo Comitê (queda dos preços de commodities em moeda local, desaceleração global mais acentuada e manutenção das desonerações tributárias) como os negativos (inflação global mais persistente, incerteza fiscal e hiato do produto mais estreito) evoluíram desde dezembro: o mundo desacelerou, a China reabriu, a taxa de câmbio apreciou, as expectativas de inflação pioraram, definiu-se a expansão fiscal de curto prazo e, a princípio, haverá definição do arcabouço fiscal de médio prazo até meados do ano. Não é evidente, sob a ótica oficial, que a resultante de riscos tenha se modificado.

Em segundo lugar, é seguro dizer que a coordenação entre as políticas fiscal e monetária é o principal tema de política pública no momento, com implicações tanto para a evolução do cenário de curto prazo como para as perspectivas de médio prazo. Na Ata da reunião de dezembro, o Banco Central fez todas as considerações possíveis, descrevendo potenciais efeitos de uma maior expansão fiscal sobre a demanda agregada, o comportamento dos preços de ativos e as expectativas de inflação, além de eventuais impactos sobre o juro neutro da economia. Falta, no entanto, quantificar essa descoordenação das políticas públicas, oferecendo cenários alternativos para as suas projeções condicionais.

Entendemos que o mais óbvio seria induzir os modelos a um juro neutro mais elevado, dando, assim, alguma noção dos impactos de médio prazo do menor controle fiscal sobre a atuação do Banco Central. Tal expediente, ainda que sendo uma intervenção no modelo, teria precedente: no 2022.T3, o Banco Central ofereceu projeções condicionas que supunham o hiato do produto zerado, traçando novos cenários para a inflação prospectiva sob a mesma hipótese de atuação monetária.

Mesmo que este seja um avanço de comunicação relevante e interessante, não esperamos que o Copom o faça na sua reunião de fevereiro – seja no Comunicado, seja na Ata. Parece-nos ser fundamentalmente uma questão de timing, sendo melhor fazê-lo em março, quando a comunicação desses cenários alternativos pode ser complementada por estudos no Relatório Trimestral de Inflação. Seria uma grande surpresa (positiva!) se tal debate aparecesse nesta semana, e uma grande oportunidade perdida se não fosse incorporado às discussões monetárias deste primeiro trimestre de 2023.

Em terceiro lugar, o Copom precisará lidar com um consistente processo de deterioração das expectativas de inflação, espalhado por todo o seu horizonte relevante. Em 12 meses, as expectativas de mercado (suavizadas) avançaram de 5,26% (véspera do Copom de dez/22) para 5,63% (véspera do Copom de fev/23); entre 13 e 24 meses, as expectativas subiram de 3,71% para 3,89%. Não esperamos qualquer mudança na estratégia recente do Banco Central, simplesmente repetindo (e, talvez, reforçando) a retórica mais dura já presente nos últimos Comunicados e Atas. E isso nos preocupa, pois entendemos que os efeitos de “ajustes verbais” são decrescentes, caso não sejam acompanhados de efetivas ações que permitam a retomada da convergência inflacionária.

Com isso, chegamos ao quarto item, que tem nos incomodado há algum tempo: as projeções condicionais do Comitê têm se mostrado invariavelmente otimistas, com a inflação observada superando as projeções e com uma potência implícita da política monetária que não tem, em nossa visão, evidência nos fatos. Entendemos, inclusive, que parte da piora das expectativas reflete este padrão empírico: as projeções excessivamente otimistas seriam, em alguma medida, um sinal de leniência inflacionária.

A princípio, o ajuste seria relativamente simples. Os modelos oficiais não são estáticos e podem ser modificados (em formas funcionais, metodologias ou premissas) de acordo com a preferência do Banco Central. Resulta, no entanto, a necessidade de não promover descontinuidades, podendo exigir um malabarismo retórico que torne a comunicação oficial confusa – o que seria particularmente negativo em um momento de divergência das expectativas inflacionárias.

Esse debate vai ficando mais delicado neste início de 2023, dadas as grandes incertezas e mudanças de premissas que estão sendo consideradas pelos agentes econômicos. Na decisão de dez/22, com taxas de juros de 13,75%a.a. (2022), 11,75%a.a. (2023) e 8,50%a.a. (2024), a autoridade monetária projetava inflação de 5,0% em 2023 (fora da banda) e de 3,0% em 2024 (estritamente na meta). Já para a reunião de fev/23, as taxas de juros do cenário de referência serão próximas de 12,50%a.a. (2023) e 9,50%a.a. (2024) – ou seja, juros mais elevados em todo o horizonte relevante.

Tudo mais constante, o novo orçamento de juros de referência deveria trazer a inflação deste ano para dentro (ou para próximo) da banda, e, principalmente, colocaria a projeção condicional de 2024 abaixo da meta. Sabemos, no entanto, que há mudanças no envelope fiscal, nas expectativas e no comportamento de variáveis relevantes do modelo (como hiato, taxa de câmbio e juro neutro), o que implica em projeções condicionais bastante incertas. Comunicar esse novo equilíbrio de forças será desafiador, e a mensagem da autoridade monetária precisa ser tão simples e clara quanto possível.

Em conclusão, mesmo que esta decisão de política monetária pareça ser relativamente simples e direta, há, sob a superfície, uma série de nuances e incertezas que tornam a comunicação do Banco Central um trabalho cada vez mais desafiador. Há uma linha tênue a ser percorrida, equilibrando a discussão adequada do balanço de riscos, ajustes nas projeções condicionais e adaptações às novas condições de contorno. É um momento delicado para a autoridade monetária.

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Este relatório foi produzido pela BRCG utilizando dados públicos compilados até 31 de janeiro de 2023 e possui caráter meramente informativo. O relatório é destinado a clientes e investidores institucionais, não podendo a BRCG e/ou os seus analistas serem responsabilizados por quaisquer perdas, diretas ou indiretas, derivadas de sua utilização. Este relatório não pode ser reproduzido, distribuído ou publicado por qualquer pessoa ou instituição, para quaisquer fins, sem a estrita autorização da BRCG.