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Além do nível da firma: ampliando o debate sobre os efeitos do BNDES na economia brasileira

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Além do nível da firma: ampliando o debate sobre os efeitos do BNDES na economia brasileira

Livio Ribeiro (livio.ribeiro@brcg.com.br)

Marina Garrido (marina.garrido@brcg.com.br)

Sérgio Pontes (sergio.pontes@brcg.com.br)

30/01/2023

Bottom line: É urgente construir os caminhos para uma atuação mais eficiente do Estado. Menos paixão e mais análise, com método e uso intensivo de dados. Já passamos da hora de implementar um debate maduro sobre as políticas públicas no Brasil

Preâmbulo

Sob a atual administração, discute-se uma mudança relevante no perfil de atuação do BNDES. Ainda que a atual realidade fiscal imponha, em tese, restrições a uma desenfreada expansão dos recursos emprestados pelo Banco, aumentam temores e rumores de uma volta ao passado.

O debate relevante não é sobre o tamanho ótimo da instituição de fomento – em última instância, essa é uma escolha da sociedade e da política – mas sim sobre a efetividade de sua atuação – aqui entendida sob uma ótica de custo vs. benefício, ponderando dispêndios e retornos para a sociedade.

A ressurreição de antigas práticas e de políticas desenhadas para atores específicos precisa ser vista com extrema cautela. O espaço para erros é pequeno e há o precedente histórico: benefícios concentrados não devem se converter em faturas pagas por toda a sociedade.

Abaixo reproduzimos o artigo de Opinião publicado no jornal Valor Econômico (06/01/2023)[1], no qual tratamos sobre os efeitos da atuação do BNDES na economia brasileira.

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Frente à recente mudança de governo, o debate sobre o papel do BNDES na economia brasileira reacendeu. Diversas vozes têm levantado, de forma pertinente, que a avaliação de sua atuação deve ser baseada em estudos fundamentados e em análises calcadas em dados. São palavras que, em nossa visão, deveriam ser aplicadas não somente ao debate sobre o BNDES, mas à avaliação de qualquer política pública.

O tema ganhou novo impulso com recente publicação, pelo CMAP (Conselho de Monitoramento e Avaliação de Políticas Públicas)[2], de uma avaliação da efetividade dos empréstimos feitos pela União ao BNDES, utilizados para a expansão de crédito subsidiado durante a última década. A discussão veio acompanhada por bem-vindas sugestões para o refinamento da atuação estatal.

Um aspecto que emerge da literatura empírica que avalia a atuação do BNDES é a multiplicidade de canais pelos quais o Banco pode influenciar a economia. Para além dos investimentos, há estudos focados em outras variáveis reais, tais como emprego, renda e produtividade. A recente publicação do CMAP teve, como um de seus insumos, um estudo produzido pela consultoria BRCG, no qual avaliamos os efeitos dos empréstimos concedidos pelo Banco a um conjunto de empresas, de capital aberto e de capital fechado, compreendendo operações entre 2011 e 2020. A análise focou nos efeitos da política sobre a taxa de investimento e sobre a estrutura de capital das empresas.

A avaliação dos efeitos da concessão de capital subsidiado exigiu a construção de um contrafactual, ou seja, de como teria sido a evolução dos agentes afetados caso não tivessem acesso à política pública. Observou-se que os subsídios das operações de crédito não estiveram associados a um aumento da taxa de investimento das firmas, mas sim a uma mudança na sua estrutura de capital – alongando o prazo de seus passivos. Já o acesso aos empréstimos subsidiados do BNDES teve efeito pequeno sobre a taxa de investimentos das empresas beneficiadascada R$ 1,00 aplicado em empréstimos aumentou os investimentos dessas firmas entre R$ 0,12 e R$ 0,25.

Note-se que a análise acima descrita foi feita ao nível da firma, ou seja, discorreu sobre os impactos nas firmas beneficiadas. Em termos de avaliação de uma política pública, este é um enfoque incompleto. A concessão de crédito subsidiado, especialmente na magnitude operada pelo BNDES, tem efeitos sobre todo o ambiente econômico. Os impactos vão além das empresas que, diretamente, recebem os empréstimos: são afetadas não somente as firmas concorrentes não agraciadas pelo capital subsidiado (e que devem ajustar seus planos de negócios a uma nova realidade concorrencial), como todo o ambiente macroeconômico (em variáveis como salários, taxas de juros, dívida pública, tributação e gastos do governo). Os efeitos são cruzados e ultrapassam, por muito, o primeiro impacto da iniciativa estatal. Assim, a adequada avaliação de uma política pública passa, necessariamente, por uma análise de bem-estar social, confrontando todos os benefícios e custos associados.

A avaliação de bem-estar das políticas públicas, em equilíbrio geral, ainda engatinha no Brasil, mas há avanços importantes em curso. O próprio CMAP, em Relatório de Recomendações paralelo ao Relatório de Avaliação, indica que a realização de “Estudo adicional, que examine a política [de concessão de crédito do BNDES] em seus efeitos diretos e desdobramentos, numa ótica de equilíbrio geral, trará contribuição valiosa a uma avaliação em perspectiva mais ampla”.

A pergunta natural é: reconhecendo que os empréstimos subsidiados do BNDES aumentam o nível de investimento das firmas receptoras dos recursos, em um mundo em que há falhas no mercado de crédito e em que todos os projetos financiados pelo Banco são boas oportunidades de investimento, expandir os empréstimos estatais e subsidiá-los sempre aumenta o bem-estar social? Resultados preliminares de uma avaliação que estamos conduzindo, em equilíbrio geral, sugerem que não. Em particular, se saíssemos do volume de empréstimos e subsídios observados em 2019 para o volume observado entre 2014 e 2015 (o ápice das políticas de crédito via BNDES), o bem-estar econômico seria reduzido entre R$ 12,9bi e R$ 27,3bi por ano (a preços de 2019). Ou seja, aumentar o nível de investimento das firmas que tomam recursos emprestados não é condição suficiente para que, no equilíbrio macroeconômico, a concessão de empréstimos justifique seus custos.

Logo, quando utilizando um arcabouço que computa custos e benefícios, os efeitos sociais da expansão de subsídios e crédito estatal parecem ter sido negativos. Há outros resultados importantes, como a diminuição, em magnitude relevante, do crédito livre devido à expansão das operações direcionadas (crowding-out), a concentração de lucros nas empresas beneficiadas pela política e o desestímulo ao empreendedorismo. E ficam provocações: será que uma política horizontal (por exemplo, mudanças na composição da carga tributária que afetem todas as empresas, em todos os setores) não seria mais efetiva para aumentar o bem-estar do que políticas verticais (com aumento do crédito direcionado a grupos particulares de empresas)?

Precisamos ir além, construindo os caminhos para uma atuação mais eficiente do Estado. Menos paixão e mais análise, com método e uso intensivo de dados. Já passamos da hora de implementar um debate maduro sobre as políticas públicas no Brasil.

 

DISCLAIMER

Este relatório foi produzido pela BRCG utilizando dados públicos compilados até 30 de janeiro de 2023 e possui caráter meramente informativo. O relatório é destinado a clientes e investidores institucionais, não podendo a BRCG e/ou os seus analistas serem responsabilizados por quaisquer perdas, diretas ou indiretas, derivadas de sua utilização. Este relatório não pode ser reproduzido, distribuído ou publicado por qualquer pessoa ou instituição, para quaisquer fins, sem a estrita autorização da BRCG.

[1] Disponível em https://valor.globo.com/opiniao/coluna/para-alem-da-firma-efeitos-do-bndes-na-economia.ghtml

[2] Disponível em https://www.gov.br/economia/pt-br/acesso-a-informacao/participacao-social/conselhos-e-orgaos-colegiados/cmap/politicas/area/demais-areas/subsidios/eubndes